terça-feira, 28 de julho de 2009

Bruxaria no Cinema - Parte 2.


Os anos 50 trazem duas obras importantes, bem distintas uma da outra, abordando novamente Crowley. A primeira, realizada pelo diretor underground Kenneth Anger em 1954, The Inauguration of the Pleasure Dome, é uma recriação dos rituais do ocultista, à luz da cultura beatnik do período. Já prenunciava outras imersões do diretor na “magia thelêmica”, que se materializariam nos curtas The Invocation of My Demon Brother (1969) e Lucifer Rising, feito entre 1970 e 1980. Anger deu outra dimensão à bruxaria cinematográfica ao transpor para a película rituais mágicos, superando o suporte (película e tela) em concreta invocação.
O segundo filme do período, e de grande importância, por ser o que consideramos a conquista da maturidade dessa vertente do horror é A Noite do Demônio (Curse of the Demon, 1957), de Jacques Tourneur, baseado no romance Casting the Runes, de Montague R. James. Crowley serve de inspiração para o ocultista Dr. Julian Karswell, líder de um culto satânico que se torna alvo das investigações de um cético psicanalista, interpretado pelo ator Dana Andrews. Niall McGinnis dá grande dimensão ao personagem Karswell, revestindo-o de periculosidade e uma certa imaturidade para convocar as forças das trevas. Uma forma velada de corroborar a idéia de Crowley como “o pior homem de todos os tempos” e os relatos sensacionalistas que o pintavam como um satanista desregrado viciado em drogas. Na verdade Aleister Crowley nunca foi satanista, se formos fiéis à concepção da palavra. Ele desenvolveu um sistema próprio de ritualística e tinha concepções bastante originais sobre magia (a que se referia como magick), o que não o isenta de alguns excessos que certamente contribuíram para a imagem que lhe impuseram. A Noite do Demônio é sutil no que se refere às práticas mágicas de Karswell, o que não diminui o impacto de sua atmosfera mística. Isso apesar da gigantesca figura do Diabo que o produtor Hal E. Chester incluiu à revelia do diretor.
Os anos 60 foram particularmente propícios para a bruxaria nas telas. A American International Pictures (AIP), responsável pelo renascimento do horror gótico nas telas americanas com o ciclo de filmes inspirados no escritor Edgar Allan Poe. Roger Corman, usa a bruxaria como tempero para dois grandes filmes: O Castelo Assombrado (The Haunted Palace, 1963) e Orgia da Morte (The Masque of the Red Death, 1964). O primeiro, pouco tem de Poe, sendo mais uma adaptação da obra de outro autor, o também norte-americano Howard Phillip Lovecraft, intitulada The Case of Charles Dexter Ward. Vincent Price é Ward, que retorna à mansão de seus ancestrais para ser possuído pelo espírito do tataravô, o bruxo Joseph Curwen. Atmosférico, culmina com um ritual de magia negra, celebrado nas masmorras do castelo. Já Orgia da Morte é o retorno ao universo de Poe e um dos melhores do ciclo. Seria também bastante fiel ao conto original, não tivesse Corman incluído doses de satanismo. Vincent Price, memorável protagonista de todos os filmes da série, interpreta o Príncipe Próspero, um devotado adorador do Diabo. Auxiliado por uma adepta, Juliana (a diabolicamente adorável Hazel Court), tenta converter às artes negras uma jovem aldeã que aprisionara em seu castelo. As sugestivas cenas de adoração ao Demônio, impregnadas de contexto sexual, foram censuradas na Inglaterra.
A Hammer Films também não ficou de fora da onda satânica da época com um dos melhores filmes sobre o assunto: As Bodas de Satã (The Devil Rides Out, 1968), dirigido por Terence Fisher e baseado em história do autor especializado em romances ocultistas, Dennis Wheatley, inspirado em Aleister Crowley. Christopher Lee é um expert em demonologia que descobre uma conspiração satânica liderada por Mocata, o sumo sacerdote de uma sociedade secreta. O filme é bastante rico em referências, ainda que estas se perdem para os não familiarizados com ocultismo, já que estão relacionadas ao universo das várias vertentes do que se convencionou chamar de Tradição Mágica Ocidental. O grande destaque, além das encenações dos rituais, vai para a aparição do Demônio, caracterização bastante fiel à figura do “Bode de Mendes”, desenhada no século XIX pelo mago Eliphas Levi, uma adaptação do Baphomet dos templários.
É importante termos em mente que, na turbulenta virada que foi a transição dos anos 60 para 70, o oculto estava em alta. Reflexo da insatisfação com as estruturas vigentes e do ressurgimento, por um lado, das práticas pagãs com a Wicca - reabilitada a partir do trabalho de Gerald Gardner e levada para os Estados Unidos pelo casal Buckland - , e por outro, da ascensão do satanismo. Este último tendo como arauto o ex-artista de circo Anton La Vey, fundador da igreja de Satã em São Francisco.O Diabo vai perdendo o seu caráter alegórico original, transformando-se em um ícone da contracultura, da insatisfação contra os modelos sociais e liberação sexual. As bruxas, do mesmo modo, passavam a fazer seus sortilégios à luz do dia, deixando para trás o estereótipo da velha feia e enrugada, cheia de verrugas, tradicional das narrativas populares e contos-de-fadas.

Continua...

terça-feira, 21 de julho de 2009

Bruxaria no Cinema - Parte 1


Aproveitando as férias, e para não ficar sem postar, resolvi re-publicar uma matéria que escrevi há alguns anos para uma revista que acompanhava um DVD desses de banca. Divirtam-se.
O caráter mais espetacular do cinema, desde os tempos dos primeiros realizadores, foi a capacidade de levar às telas o fantástico, configurado então - e de modo surpreendente, se nos deslocarmos para o final do século XIX e início do XX – pela exibição e manipulação de imagens em movimento. Os nascentes truques, hoje simples, conferiam uma aura mágica e passaram a ser explorados pelos pioneiros de então, revestindo essas técnicas de significado. Não demorou para que as criaturas sobrenaturais, habitantes do imaginário coletivo, fossem incorporadas e exploradas, pela compreensível adequação ao novo meio. E para que a principal dentre as entidades que sempre atemorizaram o homem ganhasse corpo nas telas: Satã. Figura controversa pela própria capacidade de causar terror enquanto cativa, ganha corpo em filme através da genialidade de Georges Méliès em Le Manoir du Diable (1896).
As primeiras representações do Diabo no cinema, como não poderiam deixar de ser, estavam impregnadas do imaginário cristão, eternizadas a partir da Idade Média através da iconografia, tanto em seu aspecto mais aterrador como uma mistura de bode e homem – apropriação do Pan das florestas pagãs – como na forma sinistra e por vezes debochada de um homem alto, de bigodes pontudos, algumas vezes ostentando chifres, como nos velhos espetáculos itinerantes ao estilo da Commedia dell’ Arte. E se Satã, em seu sentido mais senso comum, passou a freqüentar as telas, o que dizer então de seus principais agentes - também bastante arraigados na cultura popular e narrativas ficcionais: as bruxas e feiticeiros?
É bom lembrarmos que a bruxaria é tão antiga quanto a humanidade e só passou a ser vinculada ao Diabo por obra e graça do Cristianismo. S. Paulo já identificava os deuses pagãos greco-romanos com demônios, alertando contra associações com esses seres. O que foi aceito como verdade incontestável pela nascente religião e acabou, séculos mais tarde, culminando nas perseguições, torturas e assassinatos perpetrados pela Santa Inquisição. Isso deu margem a todo um manancial de lendas e crendices sobre as praticantes dos antigos cultos, que ganharam corpo devido à fértil imaginação dos relatores e clérigos do período. Essa alegoria personificada por bruxas e demônios pode ser vista já em 1921 na obra prima do dinamarquês Benjamin Christensen, Häxan (1). O diretor recria, através de episódios entrelaçados e estilo semi-documental, o que seria a história da feitiçaria. Através de poderosas e arquetípicas imagens, Christensen retrata todo um universo folclórico de diabos chifrudos, bruxas voando em vassouras, preparando sortilégios ou reunidas em sabbaths. O alto teor de sexualidade inerente a estas fantasias está presente – um positivo libelo de rebeldia contra a repressão sexual da Igreja -, assim como um retrato nada abonador do clero, com seus padres obtusos e freiras facilmente desencaminhadas, todos alvo fácil para as artimanhas do Demo. Não é para menos que o caráter anti-clerical de Häxan tenha escandalizado a platéia na época de seu lançamento e fosse reabilitado durante a contracultura dos anos 60, principalmente por seu conteúdo contestador e pelas mais significativas representações de bruxaria nas telas, ainda hoje insuperáveis. Infelizmente, a maior parte das produções que se seguiram nas décadas posteriores, se rendeu ao senso comum e ao maniqueísmo da luta das forças do bem (representando o lado mais conservador da sociedade) contra o mal (aspectos desagregadores, e por que não, contra o status quo dominante). Como o nosso espaço é limitado, vamos nos deter em alguns filmes que consideramos significativos para uma visão geral do tema.
A primeira cerimônia satânica filmada vêm à luz ainda nos anos 30, na produção da Universal O Gato Preto (The Black Cat/1934), dirigida por Edgar Ulmer e repleta de referências ao cinema alemão, que já flertara com o satanismo com as duas versões de O Estudante de Praga (Der Student von Prag, 1913, 1926) e Fausto (Faust, 1926), de F.W.Murnau. Ulmer dirige Boris Karloff e Bela Lugosi no auge de suas carreiras. O primeiro interpreta um veterano da Primeira Guerra, Hjalmar Poelzig, que vive em um palacete (nítida influência expressionista), onde dá abrigo a um casal americano de férias e a um antigo desafeto e ex-comandado, o Dr. Vitus Werdegast (Lugosi). Na verdade, Poelzig é o sumo sacerdote de uma seita diabólica e seus planos incluíam sacrificar a jovem americana durante um ritual. A estilizada missa negra se realiza nos porões da mansão, onde o personagem de Karloff entoa cânticos e balbucia expressões em latim, entre acólitos vestidos cerimonialmente. O Gato Preto também foi em parte inspirado no polêmico ocultista inglês Aleister Crowley (1875-1947), que antes já servira de molde para The Magician (1926), de Rex Ingram, adaptado da obra de Somerset Maugham.

Continua...
(1) Sobre Häxan, recomendo a leitura de meu artigo na publicação "Cadernos da Pós-Graduação" do Instituto de Artes da Unicamp, ano 8, vol. 3, n. 3 - 2006.

Trecho de Häxan:

terça-feira, 14 de julho de 2009

O novo formato do horror.


Não é novidade o cinema de horror ser o meio por excelência para novos cineastas desenvolverem projetos ousados de forma independente. Conseqüentemente, é pelas mãos desses intrépidos diretores que o gênero se desenvolve e se renova. Foi assim nos anos 1960 e 1970, com Corman e Lewis, seguidos por Romero, Hooper e Craven; na década de 1980 (e seguinte), com John MacNaughton (do assustador Henry: Retrato de um Assassino / Henry: Portrait of a Serial Killer), os delírios de Charles Band (Full Moon), Stuart Gordon, Sam Raimi e Brian Yuzna; etc... Essa turma influenciou de maneira decisiva a nova geração, que cresceu com o videocassete e adentrou no milênio dando novo fôlego ao horror cinematográfico com uma estética que não só refletia os avanços no aparato técnico – edição, iluminação, fotografia (graças aos recursos das tecnologias mais recentes) -, como elevava os níveis de picardia e violência dos antecessores. A popularização dessa tecnologia, com a redução dos custos, tornou possível a produção de uma obra audiovisual com acabamento bastante profissional, bem distante das pioneiras e toscas experimentações pioneiras em VHS. Mais do que a evolução das câmeras, é importante ressaltar, o uso do computador e softwares de edição, (alguns com recursos bem avançados) foram elementos decisivos. Nesse universo, um meio de divulgação também interferiu no modo de produção: a Internet, que não só alavancou a publicidade dos títulos através dos websites e comunidades de aficionados, mas também permitiu a exibição dos mesmos, desprezando os tradicionais intermediários: distribuidores e salas de exibição comprometidos com as grandes produções. É o caso dos sites que permitem que usuários disponibilizem, compartilhem e assistam vídeos em formato digital e atualmente hospedam milhares de produções de todos os tipos, dos quais o grande destaque é o You Tube. Vale a pena, portanto, perdermos algum tempo garimpando por títulos que, de outro modo, dificilmente teríamos acesso. Em nosso caso específico, recomendo a série da Hammer (isso mesmo, a velha companhia inglesa renascendo das cinzas através da web) Beyond the Rave (2008), uma história de vampiros em vinte episódios. Conta a história de Ed, um soldado prestes a embarcar para o Iraque que passa a sua última noite em busca da namorada desaparecida, vista pela última vez em uma rave muito estranha. Bastante interessante (para quem curte um trash) é When Evil Calls (2006), divulgado como a primeira série de horror feita para celular. Se passa em um internato, onde simples mensagens de texto tornam realidade os desejos de quem as recebe, desencadeando uma seqüência de acontecimentos bizarros. A tranqueira lembra aquelas produções dos anos 1980, com muitas cenas de nudez e sangueira.

Beyond the Rave – Trailler: http://www.youtube.com/watch?v=V3y1cpsQbrQ
Beyond the Rave – Episódio 1: http://www.youtube.com/watch?v=epQytGiyRGo
When Evil Calls – Trailler: http://www.youtube.com/watch?v=ebCCo0i2s44

Outros que assisti recentemente e devem ser conferidos são:

Morsure
http://www.youtube.com/watch?v=qvFAy_NSncg&feature=fvst - produção francesa de 2007 dirigida por David Morlet, sobre uma praga que transforma as pessoas em uma espécie de zumbis mutantes.
Skeletons in the Closet / Skeletti i Garderoben
http://www.youtube.com/watch?v=gEdwi7XfdMk&feature=featured - do sueco Ulrik Friberg (2008), onde um casal acorda no chão de um apartamento decadente sem nenhuma lembrança de quem são ou do que estão fazendo ali.
Spider
http://www.youtube.com/watch?v=Zdj9vMH4BfQ&feature=channel - horrível e divertido curta de Nash Edgerton (2007).
Boas férias!!!!

sexta-feira, 3 de julho de 2009

She Freak (1967) - Um clássico do exploitation.


She Freak, de 1967, marcou a volta do produtor de filmes exploitation David Friedman ao horror, após o rompimento de sua parceria com o diretor Herschell Gordon Lewis (que rendeu a trilogia Banquete de Sádicos, Maníacos e Color Me Blood Red). Na produção, faz homenagem ao clássico de Tod Browning, Monstros (Freaks /1932), filme que marcou a sua infância. Também serve de oportunidade para retornar a uma antiga paixão: os espetáculos itinerantes, que percorriam os Estados Unidos levando excitação e divertimento, intrinsecamente ligados ao desenvolvimento do exploitation. She Freak conta a história da ambiciosa Jade Cochran (Claire Brennan), garçonete sem perspectivas em uma lanchonete de estrada interiorana. Ela consegue emprego em um parque de diversões de passagem pela cidade, seduzindo o próspero dono do show de aberrações humanas. Após casar-se com ele, entediada, passa a traí-lo com o operador da roda gigante. Descoberta a traição, o marido é morto a facadas pelo amante, e Jade toma o seu lugar no gerenciamento do show. Vingativas, as aberrações que ela hostilizava – especialmente um dos anões -, acabam transformando a bela jovem em hedionda deformidade e por consequência, na mais nova atração do espetáculo.

Podemos considerar She Freak um momento singular na filmografia de Friedman como produtor e certamente um de seus melhores momentos. Dirigido por Byron Mabe, não apresenta cena alguma de nudez ou violência mais explícita. Apesar disso e das evidentes limitações orçamentárias, consegue passar a atmosfera circense desses espetáculos. As maquiagens das aberrações (ao contrário do filme de Browning não são exploradas deformidades humanas verdadeiras) são bem convincentes e durante todo o tempo está presente, por trás das luzes, música e animação do parque de diversões, uma atmosfera de sordidez e perdição. A própria aparição final da protagonista, se arrastando no chão retorcida, com uma serpente na mão e riso demente, causa impacto ainda hoje.

sábado, 27 de junho de 2009

A Máscara do Demônio (1960), obra-prima do horror gótico.


Aproveitando o gancho da última postagem, quando tratei de O Caçador de Bruxas de Michael Reeves, volto com outro clássico. Para tanto, devemos lembrar que os temas que caracterizam o horror gótico ganharam impulso naquele início dos anos 1960 em filmes importantes como o I Vampiri (1956) de Riccardo Freda, ou mesmo no bem sucedido Horror de Drácula (Horror of Dracula/1958) da Hammer. Considero o ponto alto deste ciclo e um de seus momentos mais memoráveis A Máscara do Demônio (La Maschera del Demonio/1960), obra-prima do diretor Mario Bava, produção que sintetizou todos os paradigmas do cinema de horror gótico e tornou-se, conseqüentemente, um dos mais atmosféricos e assustadores filmes sobre feitiçaria e vampirismo. A Máscara do Demônio é um compêndio da temática gótica: o castelo lúgubre com suas alas abandonadas ou em ruínas, corredores úmidos, catacumbas, lendas tenebrosas e maldições ancestrais. Além de vilões perversos, da jovem inocente vítima maior dos horrores e o herói – na verdade o representante do bem que vai lutar contra as forças do mal desencadeadas.
Distribuído nos Estados Unidos pela AIP como Black Sunday, foi anunciado com o oportunismo habitual. Os distribuidores diziam se sentir com a “obrigação moral” de advertir que A Máscara do Demônio só deveria ser assistido por “pessoas com mentes amadurecidas”. Além disso foi mais um round na luta contra a censura, que tinha olhos especiais para os filmes de horror. Banido em vários países, levou oito anos para ser exibido na Inglaterra.
Filmado em preto e branco, com fotografia que acentua os contrastes de luz e sombras, além de enquadramentos que realçam a atmosfera de delírio e desolação, já na introdução mostra seu inovador e impactante visual. O filme começa com a execução, em algum ponto da Moldávia do século XVII, de uma sacerdotisa de Satã, a princesa Asa Vajda. Personagem que tornaria sua intérprete, Barbara Steele um ícone do gênero. Condenada à morte por seu próprio irmão, ela jura retornar da sepultura em busca de vingança. Asa é morta pelo objeto que dá título ao filme, uma máscara metálica, com grandes cravos pontudos, martelada em seu rosto. Conforme o prometido, ela volta dois séculos depois, quando seu túmulo é descoberto por um médico viajante e seu assistente. Este desastradamente se fere, deixando cair gotas de sangue sobre o cadáver de Asa. A influência da feiticeira não demora a se manifestar contra os novos membros de sua linhagem, principalmente sobre a jovem Kátia, que tem os mesmos traços da ancestral (Barbara Steele também, lógico).
Talvez Bruce Lanier Wright em seu livro Nightwalker:: Gothic Horror Movies (1995) não tenha exagerado ao considerá-lo o melhor filme de horror já feito em termos visuais, sendo praticamente único, entre os filmes de sua época, a empregar o visual de influência expressionista e a sensibilidade dos filmes de horror da Universal. E é nesse ponto que encontramos em A Máscara do Demônio um importante divisor de águas, representando, como nos sugere o autor, uma transição entre duas eras diferentes para a história do cinema. Sugestão com a qual concordo, já que o filme de Bava, se por um lado remete às tradições clássicas do horror, também introduz, como novos elementos, sadismo e imagens explícitas de cadáveres em decomposição ou mutilados. O rosto pálido, ainda marcado com os buracos feitos pela máscara e os olhos expressivos de Barbara Steele em destaque, dificilmente saem de nossa memória. Imperdível!!!

sexta-feira, 19 de junho de 2009

O Caçador de Bruxas (1968), de Michael Reeves.


Como sabemos, a década de 1960 foi determinante para uma mudança de rumos que iria se cristalizar nos anos 70 em todos os setores da sociedade. Que refletiu no cinema, com maior explicitação nas cenas de sexo e violência e abordagem mais crua de temas adultos e controversos. Temas até então tratados com cuidado e de forma velada, graças inclusive à política interna dos próprios estúdios. Nesse sentido, foi no âmbito das produções de horror que as experiências mais radicais ganharam corpo, sendo o emblemático o ano de 1968 o momento crucial para a redefinição do gênero através de filmes que ditariam novos paradigmas e serviriam de guia para as décadas seguintes, como A Noite dos Mortos Vivos (The Night of the Living Dead), de George Romero e O Bebê de Rosemary (Rosemary’s Baby), de Roman Polanski.
Bastante significativo foi um filme realizado e exibido modestamente: O Caçador de Bruxas (The Witchfinder General), de Michael Reeves, lançado nos Estados Unidos como The Conqueror Worm. Vincent Price interpreta com singular recolhimento – irreconhecível até, se compararmos com os personagens que encarnou nos filmes de Roger Corman (a famosa série baseada em Edgar Allan Poe) - Matthew Hopkins, um histórico e implacável caçador de bruxas que viaja através da Inglaterra medieval executando supostas bruxas e enriquecendo às custas disso. Reeves, na verdade, não queria Price no papel principal. Achava a sua atuação por demais caricata, considerando que o consagrado ator sempre se mostrava exagerado por detrás dos personagens, o que muitas vezes os tornava histriônicos. O diretor preferia em seu lugar o ator britânico Donald Pleasence. Sendo assim desenvolveu-se uma relação bastante conflituosa entre Reeves e Vincent Price, impedido de usar seus maneirismos. Contudo, O Caçador de Bruxas acabou tornando-se o veículo para a melhor atuação do ator, que nunca esteve tão contido, sério e assustador.
O interessante é que essa produção de baixo orçamento co-produzida na Inglaterra pela Tigon, uma companhia de filmes baratos, e a AIP, que vendeu o filme como mais um do ciclo Poe (daí o título americano The Conqueror Worm), não era, na verdade, um filme que utilizasse elementos fantásticos. Não dá nenhuma evidência de que as bruxas, perseguidas sem trégua, realmente tivessem poderes sobrenaturais. Mas as mostra como vítimas de um destino controlado pela autoridade constituída, perdidas e sem defesa ante o inevitável sofrimento. Empenhado em retratar o sadismo de Hopkins (metáfora para a corrupção do poder) o diretor foi mais longe do que outros antes dele ao mostrar vários tipos de brutalidade na tela. Afinal, Hopkins enforca, afoga, queima e enfia agulhas em suas vítimas, reforçado pela interpretação impassível e fria de Price. Sem o sangue-e-tripas que já dava sinais nas telas, ele valoriza a dor real em seu aspecto mais cru e violento, retratando sombriamente a corrupção e a degradação da alma humana.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

O Signo de Escorpião (1974) - o inferno astral de um diretor.


Em 1974, o cineasta Carlos Coimbra – o mesmo do embaraçoso Independência ou Morte (1972) – produziu (com verba da Embrafilme) e dirigiu O Signo de Escorpião, filme de suspense na linha das histórias de Agatha Christie e tema recorrente no cinema: pessoas isoladas em um lugar sinistro são mortas por assassino misterioso. Segundo o diretor, na biografia escrita por Luiz Carlos Merten (Coleção Aplauso - Imprensa Oficial), a idéia de vincular os crimes aos signos zodiacais partiu de seu irmão, Sérgio. Vale uma lembrança: em 1974 ainda estavam em voga os assassinatos em série cometidos nos Estados Unidos pelo Zodíaco. Coincidência?
A trama é simples e batida: doze pessoas são convidadas pelo Professor Alex, astrólogo endinheirado, para passar o fim de semana na sua mansão,em ilha particular. Lá pretende experimentar uma máquina que faria a previsão astrológica de forma científica. No melhor estilo "Agatha Christie encontra Jason", os convidados vão sendo abatidos um por um, ficando os sobreviventes envolvidos em todos os clichês do gênero: desconfianças, desentendimentos, etc.
A trama, assessorada pelo astrólogo Omar Cardoso, famoso nos anos 1970, começa no iate que leva o grupo à ilha. Conhecemos então os personagens, entre eles a repórter Gilda (Maria Della Costa), a loura burra Ângela (Kate Lyra, lindíssima) e o galã de novelas interpretado de forma constrangedora pelo compositor Carlos Lyra (que deveria ter continuado com seu banquinho e violão ao invés de se aventurar no cinema).
Eles são recepcionados pelos empregados do anfitrião, Samuel (Sandro Polonio) e Marta (a sempre sinistra Wanda Kosmo - a bruxa de Exorcismo Negro, do Mojica, do mesmo ano). É dela a pérola, quando chocada com os modos dos integrantes do grupo: “Os convidados do patrão trazem pecado e podridão”. Logo em seguida, eles encontram o Professor Alex (Rodolfo Mayer), que explica porque os reuniu, cada um representando um signo do Zodíaco. Ele apresenta sua invenção, o cérebro-eletrônico – engenhoca desenvolvida pelo próprio diretor com a colaboração de Miro Reis – que daria ao filme um toque de ficção científica, já que em 1974 computadores não eram tão comuns. A máquina daria as previsões astrológicas definitivas, já que estava programado com todo o conhecimento astrológico reunido por seu inventor.
A primeira a morrer é Sônia (Maria Viana), secretária do astrólogo. Enquanto os outros convidados caem na farra após o jantar, com direito à bebida, rock’n’roll e um strip-tease da japonesa Satiko (Elza Tsugawa), Sônia resolve nadar pelada. Pouco depois aparece estrangulada, iniciando assim a seqüência de mortes. A partir daí as coisas vão se complicando. Eles descobrem que o rádio estava danificado, assim como o iate, e que estavam prisioneiros com um assassino entre eles. As cenas de violência são discretas. Porém, há alguma ousadia gráfica que merece destaque, como o personagem encontrado morto com uma âncora fincada no corpo.
Esse Caso dos Dez Negrinhos tupiniquim também é contido nas cenas de sexo. Na verdade, ficamos todo o tempo esperando um pouco mais da Kate Lyra. Mas não podemos esquecer que a produção é de 1974 e o sexo, assim como outras coisas boas da vida, não era muito apreciado pelos nossos governantes, muito menos pelo órgão responsável pela moral e bons costumes: a Censura. Destaco com louvor um trecho do filme: a macumba protagonizada pela empregada Marta, com direito a círculo de pólvora, ivocação a Satã e imagens do nosso sicretismo religioso, com seus santos e pomba-giras.
Apesar de todo o empenho e entusiasmo, o tiro de Carlos Coimbra saiu pela culatra (assim como os bons augúrios do astrólogo Cardoso). Fracasso retumbante, O Signo de Escorpião quebrou Coimbra, que teve que devolver aos cofres da Embrafilme a antecipação da verba de produção (mais tarde com a renda de Iracema, a Virgem dos Lábio de Mel – 1978 ).
O filme, inegavelmente, envelheceu bastante nesses mais de trinta anos. Principalmente pela história em si. É como comer comida requentada de véspera. Mesmo assim, vale embarcar na estética do cinema brasileiro da época, principalmente daquele visual feio e sujo imposto pela falta de grana, das roupas, dos cabelos, da cafonice, da vulgaridade e da sensacional cafajestice.