sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

O Anticristo (1974)


Sempre foi uma prática comum no meio cinematográfico quando uma produção se torna sucesso nas bilheterias, a série de filmes que surgem na sua esteira servindo-se do mesmo assunto. A maior parte produções de baixo orçamento destinadas ao lucro fácil. Se Hollywood já replicava em infinitas variações sobre o mesmo tema o que via como lucrativo ou em voga (como os filmes de ficção científica e monstros dos anos 1950), esse procedimento teve período áureo na Europa na década de 1960 com os westerns spaghettis italianos, que se apropriaram da linguagem de um gênero em declínio nos Estados Unidos e a remodelaram aos padrões europeus, conferindo-lhe um caráter próprio. Com o estabelecimento do conceito de “filmes arrasa-quarteirão” na década de 1970 (contraditoriamente firmados pelos diretores da Nova Hollywood*), os europeus – notadamente os italianos – viram novos campos a explorar, como o horror com o qual tinham familiaridade pelo trabalho de pioneiros como Mario Bava e a série de giallos. Algumas dessas produções caça-níqueis acabaram se tornando interessantes graças ao caráter regional e aos artifícios utilizados para compensar os baixos recursos investidos, não raramente com bastante criatividade pelos responsáveis. É o caso de O Anticristo (L’Anticristo, 1974) de Alberto de Martino, filho bastardo de O Exorcista (1973) com O Bebê de Rosemary (1968), em que se repete, sem nenhuma cerimônia, as cenas de possessão (a levitação, o vômito verde, etc.) e a idéia de uma mulher gerando o filho de Satanás, com maior ênfase na exploração de cenas de nudez e utilização de efeitos especiais grosseiros.

No filme, Hypólita (Carla Gravina) é uma jovem paralítica devido a um acidente automobilístico causado por seu pai (o ator Mel Ferrer), um alto dignitário do Vaticano. Após várias tentativas de cura, inclusive em um centro de peregrinação – cena inicial bastante sugestiva, principalmente pelos endemoniados -, Hypólita cai nas mãos de um psiquiatra. Este crê que a paralisia é, na verdade, um bloqueio, e que suas raízes estariam em vidas passadas. Após uma sessão de regressão, a moça descobre ter sido uma bruxa acusada de heresia e queimada 400 anos atrás. Aos poucos, a consciência da feiticeira vai dominando a personalidade de Hypólita. Descobrimos que antes de ser queimada, ela tivera relações com o diabo em um sabá, e levava no ventre a sua semente. Essa seqüência - obviamente inspirada em O Bebê de Rosemary - é o ponto alto do filme, explorando a nudez e o sexo. Bem alegórica visualmente, mostra com extravagância os bruxos e bruxas participando de uma orgia na floresta enquanto Carla Gravina, nua e de peruca loura, é colocada no altar de sacrifícios. Ali é consagrada e possuída pelo demônio, sob o olhar observador de um bode. Ficamos então sabendo que Hypólita, assim como sua personalidade antecessora, estava grávida e seu filho se tornaria o Anticristo. Daí em diante a moça começa a apresentar sinais de possessão e seu tio (o veterano Arthur Kennedy), um bispo da igreja que tenta, sem efeito, exorcizá-la.

Discordo de Nikolas Schrek que, em seu livro “The Satanic Screen” considera O Anticristo o melhor imitador de O Exorcista. Na verdade, o filme de Martino vai além, conseguindo ganhar pernas próprias e até alguma originalidade a despeito da intenção da produção e da imitação descarada em determinados momentos, como os de possessão em que todos os clichês do filme de Friedkin são utilizados. A força de O Anticristo está em fugir da nova tendência de colocar o horror como um intruso na vida contemporânea e em locações como a Nova Iorque dos anos 1970. Mas ao contrário, trazer para a Roma de então pavores ancestrais, que remontam à Idade Média, com todo o peso do catolicismo em oposição, flertando com o gótico na ambientação e retomando valores desprezados do horror clássico.


(*) Sobre isso vale a leitura do livro recém lançado – antes tarde do que nunca - “Como a Geração Sexo-Drogas-Rock and Roll Salvou Hollywood”, de Peter Biskind (Editora Intrínseca).