domingo, 25 de abril de 2010

Traci Lords: do pornô aos filmes B



A maior revelação do cinema erótico dos anos 80 e dona de formas generosas e bem proporcionadas, Traci Lords saiu de maneira bastante turbulenta do rentável mercado do vídeo pornográfico norte-americano para tentar carreira como atriz de produções convencionais. Transição turbulenta, digna de um filme, mas que valeu a pena, segundo a atriz. Mesmo nunca tendo sido alçada ao mainstream – o que seria impensável aos olhos da indústria conservadora -, conseguiu chamar a atenção de diretores cult – como John Waters -, e firmar-se como atriz de filmes B, participando de séries de tv e aparecendo em pontas de algumas grandes produções.

Certa vez declarou, durante um intervalo entre filmagens, não ser uma pessoa muito normal, no caso se referindo à propensão em aparecer em filmes de baixo orçamento. Declaração que serve, de igual modo, para sua vida.

Voltemos até 1980. Traci, aliás, Nora Louise Kuzma - nascida em 7 de maio de 1968 - tinha 12 anos quando sua mãe se divorciou do marido alcóolatra e violento. Nora e suas três irmãs ficaram com a mãe e migraram de Steubenville, Ohio, para as costas ensolaradas de Redondo Beach, Califórnia. Para Nora, o novo lar pareceu muito mais glamuroso e oportuno do que a encardida cidade metalúrgica de Steubenville.

Por volta dos 15 anos, Nora teve algumas experiências ruins, inclusive um aborto. Ela abandonou os estudos e passou a se envolver com homens mais velhos, acabando metida, por intermédio de um deles, no mundo das revistas masculinas com a identidade falsa de Kristie Elizabeth Nussman. Foi Garota do Mês da Penthouse (setembro de 1984) e, logo em seguida, passou aos filmes pornô, adotando profissionalmente o pseudônimo de Traci Lords, o último nome em homenagem ao seu ator favorito, Jack Lord, o McGarrett da famosa série de tv Hawaii 5-0. Em pouquíssimo tempo virou sensação. Participou em mais de 100 filmes hardcore - entre eles o clássico Geração New Wave, Sexo New Wave (New Wave Hookers/1985), dos famigerados Dark Bros. - e foi reconhecida como uma das mais ativas e bem pagas atrizes do gênero. Chegou a ganhar 300 mil dólares no curto espaço de nove meses.

Pouco depois de completar seu décimo oitavo aniversário, Traci foi para a França gravar outro porn flick. Ao voltar para a Califórnia, foi recebida por agentes do FBI. Evidências suficientes tinham sido reunidas de que ela ainda era adolescente quando atuou em filmes x-rated usando documentos falsos que aumentavam sua idade. Sendo assim, todos os seus filmes e fotos para revistas eram ilegais (inclusive as do ensaio para a Penthouse). A imprensa logo armou um circo para informar ao público sobre o escandaloso passado de uma das mais populares pornstars dos Estados Unidos. As notícias abalaram a indústria de filmes para adultos, com os distribuidores cooperando com as autoridades retirando de circulação os vídeos protagonizados pela atriz. Tentativa de minimizar suas responsabilidades nos inevitáveis problemas judiciais, mas que não os isentaram de se embaraçarem (junto com os produtores) em duras penalidades, até mesmo algum tempo na cadeia. Por sua vez, Traci nunca foi importunada pelo sistema judiciário, que preferiu usá-la para atacar os peixes grandes do mercado das produções pornô. Existem muitas teorias, porém sem provas, sobre quem deu o serviço ao FBI. Dizem, inclusive, que pode ter sido uma jogada da própria atriz para ficar em evidência, romper com o passado e assumir o controle de sua carreira.

Traci, Desejada e Possuída (Traci, I Love You), o único filme x-rated que ela fez na idade legal de 18 anos, tornou-se o vídeo mais vendido nos Eua em 1987, sendo a única produção estrelada por ela que restou para comercialização. Há rumores de que a atriz tentou recuperar os direitos desse filme, numa tentativa de remover o último traço de sua carreira no sexo explícito.

Aos 18 anos, separada de sua lucrativa profissão, Traci ficou a deriva em Los Angeles, tentando tornar-se a primeira atriz a passar com sucesso dos pornôs para o cinema convencional. Antes dela, Marilyn Chambers - de Atrás da Porta Verde (Behind the Green Door/1972) - já havia participado de alguns, entre eles Enraivecida - A Fúria do Sexo (Rabid /1977) de David Cronemberg. Porém, nesses filmes, Chambers é lembrada apenas por algumas cenas de nudez softcore. Traci Lords queria muito mais. Sendo assim, se inscreveu nas aulas de interpretação do Instituto Lee Strasberg.

Em 1988, após uma pequena participação no seriado O Homem da Máfia (Wiseguy), foi escalada para a produção de Roger Corman, remake de seu próprio filme de 1957 O Vampiro das Estrelas (Not Of This Earth). Seu papel é o da enfermeira - originalmente interpretada por Beverly Garland - que atrapalha os planos dos alienígenas que vêm ao nosso planeta para roubar sangue humano. Ela estava inteirada que não foi escolhida unicamente por suas aptidões dramáticas. Corman insistiu inclusive que o diretor Jim Wynorski rodasse algumas cenas de nudez com a atriz. Ainda que bem mais discretas que as de seus filmes anteriores, essas seqüências representavam uma parte de sua vida que ela tentava abandonar. Contudo, estava ciente do grande passo em sua carreira que era esse filme e que a nudez seria importante nesse estágio. Traci adorou trabalhar em O Vampiro das Estrelas e com o diretor Wynorski. O próprio Corman ficou satisfeito, oferecendo-lhe contrato para outros filmes. Ela, porém, os rejeitou, mesmo querendo filmar novamente com Wynorski e Corman. Não estava mais interessada em aparecer apenas para expor seus dotes. Queria algo mais, que surgiu em 1990 com Cry Baby(1990), até então o filme mais comercial do estranho John Waters. Interpretando Wanda Woodward, uma delinqüente juvenil, contracenou com o inusitado elenco do qual ainda participaram o roqueiro Iggy Pop, o ex-sex symbol de Andy Warhol e Paul Morrissey , Joe Dallessandro, a ex-sequestrada Patty Hearst e o jovem galã Johnny Depp.

Após Cry Baby, a a triz voltou à tv, aparecendo em Profissão: Perigo (McGyver) e Um amor de Família (Married with Children). Também estrelou algumas produções feitas diretamente para vídeo como o medíocre horror Shock'Em Dead e o policial A Time to Die, iniciando uma longa trajetória nos filmes de baixo orçamento e aparições em séries de tv. Algumas marcantes, como a serial killer Sharon Lesher de Profiler, entre 1997 e 1998.

Mesmo tendo conseguido atingir seus objetivos, construindo uma carreira na ativa até hoje, inegavelmente Traci Lords sempre será vinculada ao título de ex-rainha pornô. Ela mesma declara saber que nunca será capaz de escapar do passado e está resignada à situação. Em suas próprias palavras: "Eu provavelmente terei 60 anos e ainda ouvirei alguém sussurrando atrás de mim: - Você sabe que ela trabalhava em filmes pornô? - Isso vai acontecer pelo resto da vida."

Recentemente pode ser vista no divertido Pagando Bem que Mal Tem (Zack and Miri Make a Porn /2008), de Kevin Smith.

Curiosidade: Traci faz uma ponta em Blade (1998) como a vampira Racquel, que aparece nas seqüências iniciais passadas numa rave.