quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Uma Filha para o Diabo (1976)



Voltando das férias, retomo as postagens com mais uma pérola da Hammer.


Por mais recorrente que fosse a presença de Satã nas telas desde os primórdios do cinema, foi na década de 1960 que o príncipe das trevas se tornou astro de primeira grandeza graças, em um primeiro momento, ao filme de Roman Polanski baseado no romance de Ira Levi O Bebê de Rosemary (Rosemary’s Baby /1968) e posteriormente ao blockbuster O Exorcista (The Exorcist /1973), de William Friedkin. Resultado de uma onda de pessimismo que começava a abalar as bases da Era de Aquário e da geração das flores. Contraditoriamente ao pregado pelos arautos do movimento hippie, de um reinado de paz e amor na terra, asdécadas de 1960-70 foram das mais violentas da história norte-americana, com o recrudescimento da Guerra do Vietnã, massacres infligidos pelas forças policiais contra manifestantes nas universidades e crimes violentos como os assassinatos de JFK, Martin Luther King, Sharon Tate e o início da onda de mortes atribuídas ao Zodíaco. Também novas formas de religiões e seitas surgiram com o apelo da “nova era”, ressucitando antigos ritos pagãos – como a Wicca - , ordens místicas – notadamente as fundadas por Blavatski e Crowley – e até mesmo elegendo um templo próprio para a adoração do demônio, como a Igreja de Satã de Szandor LaVey, fundada em 1966 em São Francisco (claro), capital do movimento hippie. Esta última liderava o movimento satanista, regado a incenso, sexo e drogas psicodélicas.

A britânica Hammer, vendo cada vez mais iminente seu “canto do cisne”, já que as últimas tentativas de capitalizar os novos modismo (como o kung fu em The Legend of the Seven Golden Vampires – 1974) não deram o resultado esperado, resolveu também fazer a sua fezinha no chifrudo (em alta graças ao filme de Friedkin) com Uma Filha para o Diabo (To the Devil a Daughter / 1976).

Novamente recorreram ao prolífero escritor Dennis Wheatley, figura importante para a popularização do satanismo no século XX através de seus romances. O estúdio inglês já colocara seu romance The Devil Rides Out, de 1935 (para o qual o autor se encontrou pessoalmente com Montague Summers e Aleister Crowley), nas telas em uma produção homônima (1968) com Christopher Lee no papel de um ocultista do bem (recaída?) enfrentando o diabólico bruxo Mocata (inspirado no mago de Thelema).

Também de autoria de Wheatley, Uma Filha para o Diabo, traz Christopher Lee como o ex-padre Michael Rayner, excomungado por heresia, que lidera uma ordem nos moldes da igreja católica devotada ao demônio Astaroth. Contra ele se interpõe o escritor de livros ocultistas John Verney (o ator norte-americano Richard Widmark), disposto a resgatar das mãos do satanista a jovem Catherine Beddows (a bela Nastassja Kinski, com 15 anos), destinada a ser o veículo do renascimento de Astaroth.

Filme que demorou para decolar por vários percalços, inclusive financeiros, acabou não sendo a redenção da Hammer. Dirigida por Peter Sykes e com elenco respeitável (além de Lee e Widmark, contava com Denholm Elliot e a bondgirl Honor Blackman) e produção competente, não consegue se aproximar da auteticidade de The Devil Rides Out. Isso a despeito da boa história de Wheatley, que tem seus momentos e da atmosfera “tão anos setenta”. Certamente pela direção frouxa de Sykes, evidente na falta de ritmo da narrativa e equívocos como o bebê demônio de borracha pintado de vermelho destruindo a assustadora cena de parto – a mais forte do filme - onde uma mulher dá à luz de forma traumática, assistida pelos satanistas. O anticlimático final, embate definitivo entre os fortes personagens de Lee e Widmark , coroa esses tropeços, deixando dúvidas se o filme realmente teria terminado. Apesar disso, as qualidades inerentes da obra (os fatores que contribuíram para a sua realização, determinadas seqüências, etc.) fazem valer a pena dar uma atenta olhada em Uma Filha para o Diabo. Com destaque para a primeira nudez frontal de Nastassja Kinski nas telas.