sexta-feira, 14 de agosto de 2009

O dia em que Chapeuzinho Vermelho encontrou Zé do Caixão.


Uma surpresa atrás da outra. É o que espera quem, como eu, se lança na tarefa árdua – mas também bastante divertida - de pesquisar pérolas da cinematografia que pouco (ou nada) condizem com o que se convencionou chamar bom gosto ou mesmo consideradas relevantes aos estudos de cinema. É o caso desse Chapeuzinho Vermelho (também conhecido como A Gula Sexual), comédia erótica com elementos fantásticos de 1981 escrita e dirigida por Marcelo Motta.
Sério candidato ao posto de “pior filme de todos os tempos” e rodado na transição da pornochanchada para o sexo explícito, não tem nada a ver com o conto-de-fadas homônimo.
Trata da história do jovem Hércules (Oásis Minitti, um dos mais assíduos e incansáveis atores do pornô brasileiro dos anos 1980), um voyeur contumaz que não consegue ir para a cama com nenhuma mulher. Apenas se satisfaz observando, através de buracos que faz nas paredes da casa, a intimidade da prima casada e da irmã. O que preocupa seus pais, um casal de velhos italianos, e faz dele motivo de chacota dos amigos, do primo mulherengo Gavião e das garotas. Até o dia em que o pai, com medo de que o filho se tornasse (nas próprias palavras) “ou tarado ou bicha”, arruma uma prostituta para curá-lo. Fazendo-se passar por empregada, ela ataca Hércules que, sem fugir à regra, nada consegue. É quando surge, sem nenhuma explicação, um boné vermelho com poderes mágicos. Ao colocá-lo, o impotente rapaz ganha inesperada virilidade, fazendo com que se torne o garanhão do pedaço, causando inveja no primo.
Dizer que Chapeuzinho Vermelho é um filme tosco é pouco. Elenco feio, diálogos ridículos, trilha inacreditável e personagens caricatos são apenas alguns atributos que, se recorrentes em boa parte da produção da Boca do Lixo do período, são exacerbados nessa obra paupérrima, mas muito engraçada.
Destaque para a presença de José Mojica Marins numa inusitada aparição como Zé do Caixão. Ele surge num sonho em que o personagem principal estava cercado de mulheres nuas. Com seu olhar penetrante e poderes sobrenaturais, o coveiro faz desaparecer todas elas. Deixa uma mensagem, na linha das filosofias mojicanas, que dá novo sentido à vida do apavorado Hércules e prenuncia o final moralista:
- “O homem só é homem no dia em que ele provar que veio nessa dimensão terrena para ser homem!”.
Só vendo para crer!

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Bruxaria no Cinema - Parte 3


Nesse cenário vem à luz o mais importante filme sobre o tema já feito: O Bebê de Rosemary (Rosemary’s Baby, 1968), de Roman Polanski. Nenhum filme capturou tão bem o que podemos chamar de “atmosfera satânica”quanto essa produção que tratava de temas importantes como sexo e feminilidade, integrados a momentos de horror e tensão psicológica. Anton Szandor La Vey, criador da Igreja do Diabo, foi um dos consultores (não creditado) do filme. Ambientado na Nova York de então, conta a história de uma típica garota americana que é entregue pelo marido (que conspira com uma sociedade de bruxos) ao Coisa-Ruim, para que nela coloque a sua semente durante uma cerimônia. Seqüência que é, por sinal, a mais memorável entre todas as já feitas envolvendo missas negras, copiada descaradamente em O Anticristo (L'anticristo / 1974), de Alberto de Martino. O coven de bruxos se reúne ao redor de Rosemary. Todos estão despidos e dois participantes amarram as pernas da jovem abertas, para facilitar o trabalho da criatura que surge e da qual só vemos as mãos em garras agarrando-se a Rosemary, enquanto copula com ela. Polanski, agnóstico confesso, não tinha nenhum pendor pelo religioso ou oculto. Muito menos acreditava no poder do Diabo ou de Deus como encarnações do Bem e do Mal. E é esse diferencial que empresta ao filme a sua ambigüidade prevalecente: será mesmo que Rosemary passou por todas aquelas experiências sobrenaturais, ou tudo não passava de fantasias de uma mente perturbada, filtradas para nós através de sua subjetividade?
Poucos anos depois, em 1973, George Romero, diretor do cultuado A Noite dos Mortos Vivos (The Night of the Living Dead, 1968), dá uma boa visão das práticas da Wicca em Temporada das Bruxas (Season of the Witch). Denso psicologicamente e um tanto quanto lento, é um competente trabalho do diretor e seu manifesto feminista. Conta a história de Jan White, uma mulher de meia idade oprimida pelo casamento e frustrada pelos sinais dos anos, fator realçado pela jovialidade da filha, que inveja tanto quanto o despojamento e naturalidade com que a nova geração se entrega ao sexo. Jan vai reafirmar a sua feminilidade através da Wicca, aprendendo os seus rituais – pela primeira vez descritos de modo mais próximo à realidade – e assumindo-se bruxa. Os wiccans reclamaram do filme, na época, por referências feitas ao Diabo, já que nesta religião ele não é cultuado. Apesar desse início promissor, os anos 70 e 80 trouxeram com eles ares conservadores e pouca coisa pode ser destacada entre as produções que reproduziam os velhos embates entre satanistas “do mal” e as forças do bem. Foram as décadas em que chegaram às telas O Exorcista (The Exorcist, 1973) e A Profecia (The Omen, 1976), que transitavam entre propaganda da Igreja e a narrativa tradicional do filme de horror, típica dos grandes estúdios. Tanto em um sentido, como em outro, ambos os filmes se saíram muito bem.
A bruxaria só iria recuperar alguma credibilidade no final do século XX, talvez pelo novo boom de interesse que o oculto vem despertando e o crescente número de novos adeptos às práticas mágicas e religiões pagãs. E com duas obras que seguem em direções completamente opostas, como o horror-teen Jovens Bruxas (The Craft, 1996) e a volta do diretor Roman Polanski ao gênero que o consagrou com o intrincado O Último Portal (The Ninth Gate, 1999). O primeiro, que pode servir como metáfora para a busca de auto-afirmação de quatro adolescentes, de certo modo se aproxima do filme de Romero, mas com bem menos brilhantismo e uma boa dose de maniqueísmo. Vale mais pela descrição de alguma ritualística do que pela narrativa, de encaminhamento conservador. Apesar de certamente ter ajudado a Wicaa a se popularizar entre os jovens. Já O Último Portal é um filme bem mais complexo e rebuscado. Trata de um livreiro (Johnny Depp), contratado por um milionário de Nova York (o sempre bem vindo Frank Langella) para encontrar um velho grimório. Este, segundo a lenda, teria em suas gravuras a chave para invocar o Diabo e abrir os portais que dariam acesso ao inferno. O filme peca pelos excessos do diretor, que poderia ter sido mais econômico em termos narrativos. Mas ganha força quando analisamos com boa vontade os elementos místicos que traz à tona. E é na construção dessa atmosfera sobrenatural que se encontra a força de um filme incompreendido e que precisa ser visto mais de uma vez.
Como podemos ver, bruxas e demônios estão presentes nas telas desde os tempos do “primeiro cinema” e, certamente, ainda continuarão nos dando arrepios e seduzindo. Afinal, eles estão ligados aos aspectos “noturnos” de nossa personalidade e aos nossos instintos básicos; à aspiração pela liberdade individual, ao conhecimento interior e rompimento das amarras que nos foram impostas. Nada mais transgressor do que isso. Nos despedimos lembrando de Raul Seixas no “Rock do Diabo”: Enquanto Freud explica as coisas, o Diabo fica dando os toques.