quarta-feira, 18 de novembro de 2009

A palavra é "Zumbi"...


Sem dúvida nenhuma, um dos temas mais queridos e recorrentes do cinema de horror são os zumbis. Vou tentar divagar um pouco sobre o assunto, já que vem crescendo – principalmente na produção independente realizada por jovens cineastas – o número de filmes que versam sobre esses mortos insepultos que vagam sedentos por carne humana.

A palavra zumbi vem do quimbundo nzumbi (fantasma, espectro) e acabou ligada à religião haitiana, relacionada à idéia – recorrente em várias culturas e tradições – de um morto se erguer da sepultura. Ao que tudo indica, o vodu desenvolveu-se primeiro no Haiti entre os escravos que trabalhavam nos canaviais e incorporaram aos seus deuses nativos aspectos da religião dos senhores. Os sacerdotes vodu teriam entre suas aptidões o poder de ressuscitar os mortos, que como cadáveres animados, seriam destinados à servidão. Acredito que a origem do zumbi como personagem de histórias de terror se deve ao estranhamento em relação a essa idéia e ao seu caráter espetacular. Mortos redivivos vagando pela noite e assombrando os vivos, convenhamos, foge ao âmbito das coisas ordinárias às quais estamos familiarizados e são bastante assustadores. Principalmente quando existe uma demarcação muito forte entre os mundos dos vivos e mortos e é sobre o rompimento dessas fronteiras que gira a maior parte da ficção de horror. Portanto, o zumbi é a criatura que mais profundamente lida com o tabu da morte, mais do que os fantasmas incorpóreos ou os românticos vampiros - que também estão mortos, mas não possuem a mesma dimensão em aspectos corporais e afinidade com nossos medos ancestrais. Esse personagem ganhou mais tempero graças aos preconceitos de viajantes que, com sua visão colonialista, descreveram o Haiti como local de sangrentos rituais de magia negra, orgias selvagens e mortos reanimados. O que acabou reforçado pelas superstição, sem falar na indústria de turismo e estrutura de poder haitiana. Vale lembrar que a ditadura Duvalier se utilizava das crenças religiosas locais como um dos sustentáculos de seu regime. E foi o cinema que deu maior dimensão ao zumbi e o redirecionou, desde as primeiras décadas do século XX, em filmes como Zumbi Branco (White Zombie/1932), com Bela Lugosi revivendo os mortos para trabalharem em sua plantação e as produções de Val Lewton para a RKO, iniciadas com I Walked with a Zombie (1943).

Posteriormente, em termos de fidelidade ao tema, sem dúvida George Romero é o grande exemplo. E isso apesar de ter rodado até agora apenas cinco filmes sobre zumbis. Não só o mais assíduo, como também o mais influente, responsável por retirar do tema qualquer conotação mística ou relação com o vodu, e atrelando seus mortos-vivos aos problemas da sociedade contemporânea. Romero foi numa direção bastante diferente ao não se preocupar com explicações para seus zumbis. Fruto ou não de radiação de algum artefato espacial, para ele o importante são os conflitos desencadeados entre aqueles que se deparam com a situação – a reação humana. Por isso mesmo os mortos dos filmes de Romero são desconfortavelmente comuns, vestindo as roupas que usavam em vida, com as marcas da morte explícitas nos corpos e guiados pelo instinto de saciar seu apetite por carne humana. George Romero inaugurou, com A Noite dos Mortos Vivos (The Night of the Living Dead / 1968) a era do zumbi canibal, lançando as bases que renovariam o gênero daí em diante. Permanece fiel ao assunto até hoje, já com outra seqüência - o último foi o ótimo Diário dos Mortos (Diary of the Dead / 2007) – em andamento. Diferente de outros realizadores que utilizaram a mesma temática em produções esparsas dentro de suas filmografias ou de ciclos específicos. Como foi o caso dos filmes de zumbis feitos na Europa, um dos mais prolíferos filões, com os filmes de Jorge Grau, a saga dos “mortos-sem-olhos” de Amando de Ossorio, entre outros. Com destaque para a obra do italiano Lucio Fulci, certamente quem mais se inspirou em Romero com Zombi 2 (1979), assim denominado para capitalizar em cima do sucesso de O Despertar dos Mortos ( Dawn of the Dead que na Itália se chamou Zombi). Seguiram-se Pânico na Cidade dos Zumbis (Paura Nella Cittá dei Morti Viventi /1980), Terror nas Trevas (L’Aldilà... e Tu Vivrai Nel Terrore /1981), e Terror nas Trevas (Quella Villa Accanto al Cimitero / 1981), resgatando o caráter sobrenatural. Grande parte dos filmes de zumbi feitos lá fora, principalmente os realizados a partir do final da década de 1970, foram lançados em VHS por diversas empresas, algumas de caráter bem duvidoso. Ainda que com distribuição precária, serviram de inspiração para uma geração de aficionados do horror pelos extremos gráficos a que chegavam. Gente sendo comida viva pelos zumbis, entranhas expostas, sangue... E alguns deles, por esse caráter radical, resolveram experimentar em suas próprias produções fundo-de-quintal, já nos anos 90, momento em que câmeras já estavam bem acessíveis. É o caso do pioneiro Petter Baiestorf com seu Zombio, se não a primeira, a mais interessante produção sobre o tema até então. Além disso, zumbis são bastante populares, tornando-se personagens recorrentes também nos quadrinhos e em vídeo games como House of Dead e Resident Evil – grandes referências para a nova leva de realizadores em vídeo.

Na minha opinião, o citado Zombio (1999) é um dos mais interessantes filmes de zumbis realizados no Brasil. Escrito e dirigido pelo catarinense Petter Baiestorf, é uma homenagem às produções sobre o assunto, especialmente os de Fulci. Repleto de referências ao cinema B de horror e ficção científica, o longa-metragem narra a história de um casal que resolve acampar numa ilha e é atacado por um grupo de mortos canibais. Outro que merece ser colocado em evidência é o curta Crônicas de um Zumbi Adolescente (2002), de André ZP, que parece aqueles filmes de adolescentes que se tornam monstros feitos nos anos 50 (na linha I was a Teenage Werewolf). Rodado em preto-e-branco, trata do fracassado Zeca que volta da sepultura como um cadáver repugnante que tenta se integrar novamente na rotina. Mais recentemente posso citar outro curta, a comédia de horror Minha Esposa é um Zumbi (2006), de Joel Caetano - cineasta que vem se revelando, junto aos seus companheiros da Recurso Zero Produções - e os recém-vistos e bem elaborados Era dos Mortos (2007), de Rodrigo Brandão, Capital dos Mortos (2007), de Tiago Belotti e Mangue Negro (2008), de Rodrigo Aragão.