segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Os Anos Dourados da Sacanagem (1986).


Na década de 1980, quando o pornô brasileiro perdia a briga injusta com os similares importados que chegavam aos cinemas vagabundos e prateleiras dos videoclubes, produtores e diretores sediados na boca do lixo buscavam, com muita criatividade e cara-de-pau, manter o público que minguava. Algumas vezes com inusitados e curiosos exemplares que merecem ser revistos por fazerem parte de significativa 9ainda que ignorada) parcela da cinematografia brasileira. É o caso da produção paulista Os Anos Dourados da Sacanagem, de Paulo Antonione (1986), que revi para a comunicação que apresentei no XIII Encontro da Socine, na ECA, em São Paulo. Surpreendente e bem cuidada (considerando-se o baixíssimo orçamento) adaptação das revistinhas eróticas - ou “catecismos” - desenhadas grosseiramente pelo lendário Carlos Zéfiro, é dividida em dois episódios, amarrados pelo avô que surpreende o neto assistindo um filme de sexo explícito no videocassete. O velho mostra ao rebento as famosas revistas, saudoso de um tempo em que a sacanagem apelava mais à imaginação. A primeira história, A Promissória, é clássica, já publicada inclusive em uma coletânea de trabalhos do falecido desenhista: a mulher que resolve saldar as dívidas do marido se entregando ao amigo credor. A razoável ambientação que remete à década de 1940 e a iluminação cuidada tentam conferir às cenas de sexo alguma elegância, o que não se concretiza pelo amadorismo dos atores e da pobreza da produção, resultando insosso no quesito sacanagem, que é o principal apelo do filme. O segundo segmento, por outro lado, é bem mais interessante, notadamente por sua mistura de sexo com religião, tão comum no sexploitation europeu. Intitulado Com o Diabo no Corpo, remete a um conto de Boccaccio, já adaptado por Pier Paolo Pasolini em seu Decameron. Sandra Morelli (famosa na época por suas cenas de sexo com cavalos) é a moça desorientada que vai à Igreja – a trama se passa no interior – se confessar, acreditando estar possuída pelo Diabo. Ela conta ao padre (que quer saber de todos os detalhes) ter sido forçada ao sexo pelo namorado e através da cópula, permitido a entrada do Diabo em seu corpo. O padre, lúbrico, se propõe a fazer um exorcismo um tanto quanto peculiar, já que nas suas palavras, o único meio de tirar o diabo do corpo da jovem seria “pelo mesmo buraco por onde ele entrou”. O filme parte para a blasfêmia explícita, com o padre de estola roxa, recitando suas orações, enquanto faz sexo com a “endemoniada”. O problema é que a garota estava realmente possuída, e o demônio se revela, com todos os lugares-comuns do gênero desde O Exorcista: fala com voz grossa, dá gargalhadas pavorosas, tem a fisionomia modificada – com ênfase nos olhos vermelhos - e fala impropérios, inclusive paródias pornográficas das orações tradicionais da Igreja. Ele vira o jogo e dá um banho de sexo que quase acaba com o pobre padre, em seqüência de tirar o fôlego protagonizada por uma atriz que definitivamente sabia o que fazia. Um dos mais impagáveis (e inacreditáveis) momentos de uma linha de produção que buscava nessas bizarrias alento para continuar no mercado e infelizmente, não vingou.

Um comentário:

Zero byte disse...

Cara, gostaria de saber sobre as vozes do filme, pois parecia claramente que ele foi dublado(apesar de ser uma produção nacional). Alguém com pouca atenção até poderia jurar que são os donos das vozes que estão atuando no filme.