segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Nas bordas do cinema argentino


Aproveitanda minha última viagem à capital portenha na semana passada (o que justifica a ausência de postagem), tentei unir o útil ao agradável, buscando aprofundar um pouco mais meu conhecimento do universo cinematográfico argentino voltado ao horror e exploitation. Ou seja, buscando algo além do "cine de terror" de Emilio Vieyra (Extraña invasiion/1965; Sangre de Virgenes/1967) e Enrique Carreras (Obras Maestras del Terror/1960), dos peitos de Isabel Sarli ou de women in prison como Atrapadas (1984), de Anibal Di Salvo. Produção ao que tudo indica escassa, apesar de ainda não ter me debruçado com maior profundidade sobre o assunto. Principalmente face a falta de material bibliográfico ou mesmo disponibilidade de títulos em DVD. Foram longas andanças percorrendo as livrarias e sebos de Buenos Aires, que são inúmeros (principalmente na calle Corrientes) - especialmente as das redes El Ateneo (que também vendem CDs e DVDs) e Musimundo (grande acervo de música e filmes).
A grande recompensa dessa peregrinação foi descobrir que no cinema argentino, se renovando desde 1995 (o chamado Nuevo Cine) com obras de teor dramático e político, vem surgindo aos poucos obras voltadas para o horror e o suspense como Visitante de Invierno (2007), com co-produção espanhola; o thriller de horror Aparecidos (2007); e a comédia sobrenatural Fantasma de Buenos Aires (2008). Fora isso, o que realmente deu alento foi saber que, como no Brasil, é pela iniciativa de jovens independentes que títulos de contexto horrorífico e bizarro vão se proliferando. Distribuídos no circuito alternativo (lojas especializadas em vídeos e internet), apresentam as mesmas características de nossos filmes de bordas (denominação que remete à professora e pesquisadora Bernadette Lyra - para se inteirar melhor, leia os livros de nosso grupo de pesquisa clicando nas capinhas ao lado).
Produção que remonta a 1997, com o filme de zumbis Plaga Zombie (de Pablo Parés e Hernán Sáez (que ganhou continuação em 2001 - Plaga Zombie: Zona Mutante). Confirmando os zumbis como queridinhos da turma do horror alternativa. Seguindo essa tendência, foram rodados Mi Suegra és un Zombie (2001), Contagio (2005), Rigor Mortis (2006) e Un Cazador de Zombies (2008). Mas não versam somente sobre zumbis essa vertente da cinematografia argentina. Os vampiros dão as caras em Eklipsa Dana Vampir (2007); maldições e bruxarias em El Marfil (2004), baseado em A Pata do Macaco de W.W. Jacobs; o bizarro em Recortadas (2009) e Sed - Enemigo del Aire (2004); e a violência explícita em Sadomaster (2005), Habitaciones para Turistas (2004), No Moriré Sola (2008) - considerado o I Spit in your Grave/A Vingança de Jennifer argentino - e 36 Pasos (2006).
Essa amostragem é incompleta. Apeanas uma primeira aproximação de assunto ao qual pretendo dedicar mais atenção e espaço. Aceito sugestões e colaborações, com indicações de novos títulos e dicas de como adquiri-los ou baixá-los.
Na foto acima detalhe da fachada do Cine Monumental, cinema na calle Lavalle, uma das principais artérias do centro de Buenos Aires, que cruza a famosa calle Florida, reduto da turistada brasileira.

sábado, 11 de setembro de 2010

Caçadas Eróticas (1984)


Na primeira metade da década de 1980, a DaCar, bem sucedida produtora cinematográfica do galã David Cardoso enveredava na produção de filmes em episódios. Empolgado com a vitoriosa bilheteria de A Noite das Taras (1980), composto por três dramas eróticos com cenas de sexo quase explícitas, a empresa investiu em mais quatro títulos seguindo essa linha: Aqui, Tarados! (1980), Pornô (1981), A Noite das Taras 2 (1982) e Caçadas Eróticas (1984). Todos seguindo a mesma abordagem: ousadas narrativas sustentadas pelos afiados diálogos do argumentista e também diretor Ody Fraga, eficiência técnica, mulheres bonitas (Matilde Mastrangi, Alvamar Taddei, Sônia Garcia, Zaira Bueno, Zélia Diniz, Patrícia Scalvi) e muita nudez e sacanagem. Filmes que revi para comunicação a ser apresentada no próximo encontro da Socine, que ocorrerá no próximo mês em Recife.

Caçadas Eróticas, alardeado como o primeiro filme de sexo explícito de David Cardoso, é o último e o menos inspirado da série. Não só porque já evidenciava o cansaço da fórmula, mas também porque prenunciava o canto do cisne da empresa que logo após tentaria capitalizar em cima do hardcore e fecharia as portas em 1987. Também é o menos badalado, justificativa para essa postagem.

Contudo, ainda traz a maestria de Ody como roteirista e as características principais do cinema produzido pela Dacar em três episódios irregulares. Chama a atenção que Caçadas Eróticas foge do padrão das produções anteriores por não apresentar nenhuma história de fundo dramático, com pano de fundo policial ou sobrenatural, dando preferência somente à comédia erótica. Afinal, um dos grandes diferenciais dessa linha de filmes era dosar episódios mais leves, mais próximos ao que se convencionou chamar de pornochanchada, com tramas construídas sobre elementos narrativos mais pesados. Por exemplo, o sangrento O Pasteleiro de Aqui Tarados!, ou o violinista psicopata de Solo de Violino, presente em A Noite das Taras 2.

Caçadas Eróticas abre com A Espiã Portuguesa, episódio cômico na mesma linha de A Guerra da Malvina (de A Noite das Taras 2) e O Prazer da Virtude (de Pornô), repetindo a parceria entre David Cardoso e a voluptuosa e sempre linda Matilde Mastrangi. Dirigido pelo próprio ator, conta a história de um empresário que, durante estadia em Portugal, passa a ser perseguido por bandidos e encontra misteriosa mulher com quem se envolve. Na verdade, uma vigarista que acaba lhe passando a perna. A Espiã Portuguesa brinca com a imagem do ator, ao mesmo tempo que serve de veículo para exibir seus dotes físicos. Longas seqüências de sexo simulado que valem, como de costume, para nos deliciarmos com as formas de Matilde Mastragi – notadamente o derrière famoso.

A segunda história, sem título, é a melhor do filme. Dirigida por Cláudio Portiolli é a mais divertida da série no quesito sacanagem, sendo superada somente por A Tia de André (de Aqui, Tarados!). Conta as desventuras de um casal separado, em pé de guerra, circulando pela cidade em busca de novos parceiros. A mulher (a bela Sônia Garcia, mais rechonchuda) conhece um rapaz num bar, enquanto o homem se insinua para uma jovem na rua. Ambos acabam no mesmo apartamento, anteriormente reservado para seus encontros amorosos. Não vale a pena comentar o final inusitado (e atrevido) para não estragar a surpresa.

Punks é o último episódio, com direção de Cardoso, e o mais fraco de Caçadas Eróticas. Já flertando com o sexo explícito, se inspira no ótimo Júlio e o Paraíso, de A Noite das Taras. Mostra uma gang de garotas punks, escondidas em local abandonado na periferia de São Paulo, vivendo de furtos e prostituição. Elas acabam seqüestrando um jovem e dois executivos que, dominados sexualmente, acabam despojados de todos os seus pertences, inclusive as roupas.

Vale a conferida numa próxima exibição no Canal Brasil!

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

A Verdade Sobre Drácula (1975) ou No papel de Vlad Tepes, Christopher Lee batia um bolão



Em meados da década de 1970 eu tinha por hábito, na saída do colégio onde cursava o primeiro grau no Rio de Janeiro, fazer uma visita à Entrelivros (uma rede de livrarias) no caminho de casa. Apesar de jovem, já alimentava meu imaginário com coisas pouco usuais para o que se convencionava ser um adolescente sadio e já prenunciava os rumos que minha vida iria tomar: monstros e bizarrices. Que procurava invariavelmente nos livros, quadrinhos (as editoras brasileiras eram prolíferas no gênero) e nas madrugadas passadas na frente do velho televisor preto e branco. Passava longe dos cinemas onde a censura impedia meu ingresso para assistir às produções que versavam sobre meu tema preferido, taxadas como impróprias para menores de 18 anos. Numa dessas peregrinações à Entrelivros encontrei o recém lançado no Brasil (Record,1975) Drácula: Mito ou Realidade, de uma dupla de acadêmicos: o norte americano Raymond T. McNally e o romeno Radu Florescu. Originalmente intitulado In search of Dracula: a true history of Dracula and vampire legends, a obra que resultava nas investigações dos pesquisadores trazia nova luz para os estudos do vampirismo, desvendando as origens históricas do personagem imortalizado por Bram Stoker: o príncipe da Valáquia Vlad Tepes.

Alguns anos mais tarde descobri, em meio ao bagunçado mercado de filmes em vídeo dos anos 1980 – nunca consegui entender a diversidade de distribuidoras de VHS e sua falta de critério na seleção de títulos – a versão cinematográfica do livro de McNally e Florescu: A Verdadeira História de Drácula (In Search of Dracula), distribuído pela F. J. Lucas. Produção original de 1975 da Aspekt Films sueca (apenas três anos após sair do prelo o livro em que se baseava), trata-se de um documentário que tenta reproduzir a estrutura elaborada pelos pesquisadores (que contribuíram com a roteirista). Seguindo os moldes do documentário clássico, com narração over e cenas recriadas, o filme dirigido pelo inglês Calvin Floyd passou longe de ser bem sucedido. Ainda que McNally e Florescu justifiquem esse fracasso (na versão atualizada do livro, lançada aqui em 1992 pela Mercuryo) ao fato da produção ser “bem falante e intelectual demais para ser um sucesso comercial”, é na falta de uma linha narrativa a ser seguida que vamos encontrar o motivo principal. O documentário, levado à cabo pela mão pesada de Floyd, não se sustenta nessa pretensão de seriedade, podendo mais ser alinhado aos documentários de exploração – apelidados de filmes mondo. O que não seria nenhum problema, desde que isso fosse assumido desde o princípio, tornando a obra mais divertida em seu desfile de excentricidades e toscas recriações – como a mulher nua cavalgando sobre sepulturas para identificar a cova de um vampiro. Ainda assim, tem caráter pioneiro por ser o primeiro documentário que liga Drácula ao Vlad Empalador e trata das raízes do mito do vampiro e se, para o espectador atual pareça datado e com sabor de déja vu (afinal, desde então muitos outros documentários abordaram o tema), merece a atenção por um tempero extra: a presença do ainda atuante Drácula da Hammer, o ator Christopher Lee em caracterização do príncipe romeno perfeita para aparecer como vilão de filme da boca do lixo, ostentado cabelos compridos e um bigode de fazer inveja ao jogador Rivelino. Observem a semelhança na montagem fuleira acima.


Trecho do filme:


http://www.youtube.com/watch?v=46IAZionybM

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Brigitte Lahaie, a Deusa Nórdica de Jean Rollin



Conhecida do público por sua participação nos filmes do diretor francês Jean Rollin, e por ele denominada “deusa nórdica”, Brigitte Lahaie pode ser considerada a principal figura feminina dos filmes B franceses. A carreira de Brigitte Van Meerhaegue (nome de batismo, 1955) começou na década de 1970 em filmes “para adultos”. Produção que, ao contrário de renegar, como é o costume das atrizes que largam o hardcore, ela assume agradecida: “Não me importo em falar sobre esses filmes.” – disse em entrevista – “Foram eles que me fizeram famosa, e seria ridículo negá-los. Fui a primeira sex star francesa, sendo assim, essa reputação me acompanha. Adorei o trabalho, e foi realmente importante para mim. Eu era muito tímida, muito insegura, e fazer esses filmes aumentou minha auto-confiança”. Mas chama a atenção para o fato de ter feito muitas outras coisas, achando estranho as pessoas ainda se interessarem por esse aspecto de sua carreira (imagine!).

Foi durante as filmagens do pornô Vibrations Sexuelles (1977), em que interpretava uma psiquiatra, que Brigitte conheceu Jean Rollin, a cargo da direção. Graças à amizade que surgiu entre os dois, ela participou de seu primeiro filme “sério”: Les Raisins de La Mort (1978), produção de horror sobre uvas envenenadas que transformam os habitantes de um vilarejo em zumbis. No ano seguinte, após mais uma leva de filmes de sexo explícito, larga definitivamente o gênero, passando para o softcore. Trabalha novamente para Rollin em Fascination (1979) e em seguida, La Nuit des Traquées (1980).

A partir de então, Brigitte Lahaie segue a carreira revezando entre filmes eróticos, exploitation e de horror, contabilizando mais de cem filmes no currículo. Destaque para sua colaboração com outro grande tarado do écran: Jess Franco (Jê Brûle de Partout /1979; Faceless / 1987; Dark Mission /1988).

Em 1990 trabalhou em Henry & June, de Phillip Kaufman, como uma prostituta, participando de poucas produções desde então, dentre elas Les Deux Orphelines Vampires (1997) e La Fiancée de Dracula (2002), ambas dirigidas por Rollin.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Antes dos vampiros virarem purpurina: Maldição Eterna (Forever Knight, 1992-1996)


Como os vampiros andam novamente em alta desde que o medonho – no mau sentido, mesmo - Crepúsculo (Twilight, 2008) se tornou inesperado sucesso de bilheteria, e os sanguessugas pululam nos meios de comunicação contando com o fervor de novos e velhos adeptos, me veio à memória uma das melhores séries feitas para a televisão sobre o tema, ainda no início dos anos 1990: Maldição Eterna (Forever Knight, 1992-1996). Se ultimamente tivemos um revival de vampirismo na tv através de programas como Blood Ties (2006) e Moonlight (2007), e as bem sucedidas True Blood (2008) e The Vampire Diaries (2009) - ainda em produção -, naquela época a maré não estava tão promissora: Drácula, a série (Drácula, the Series, 1990), durou apenas uma temporada, e Kindred: The Embraced (1996) idem. Com Maldição Eterna foi diferente. Superior às outras, conseguiu se manter no ar por mais tempo principalmente pela abordagem diferenciada do assunto e a uma bem elaborada mistura de drama policial com sobrenatural. Na onda revisionista dos vampiros, que teve como fontes principais os romances de Anne Rice, apresenta tipos menos estereotipados, com mais personalidade e nuances psicológicas. Até então, nunca o tema fora tratado com tanta seriedade na televisão.

Maldição Eterna se passa em Toronto, que como qualquer outro centro urbano, por trás de seus arranha-céus pontilhados de luzes brilhantes, esconde a realidade dura das ruas. Uma face cruel em que criminosos aguardam suas vítimas nas sarjetas e assassinos matam impiedosamente. Como qualquer cidade Toronto tem seus segredos, seus mistérios e seus...vampiros! A cidade candadense é o habitat de Nicholas “Nick” Knight, o protagonista da série que foi produzida pela Paragon Entertainment e transmitida nos Estados Unidos pela CBS dentro do Crime Time, a programação policial de fim de noite da emissora. Knight é um herói bastante incomum. Na verdade ele é um vampiro com mais de 700 anos, transformado em 1228, quando retornava das cruzadas. Após viver nas sombras durante séculos se alimentando de sangue humano, passa a buscar a redenção e absolvição pelo mal que causou. Isso o levou a ingressar na força policial da cidade como detetive da divisão de homicídios, trabalhando somente no turno da noite, é claro. A cada episódio, o herói usa seus poderes para solucionar crimes, constantemente atormentado pelos fantasmas do passado e buscando reconquistar a humanidade perdida. Deve-se destacar ser Knight, provavelmente, uma das primeiras encarnações do “vampiro relutante” nos meios audiovisuais.

Esse plot não é de primeira mão. A primeira aparição do personagem ocorreu anos antes, em um telefilme de 1989 chamado Nick Knight (lançado em vídeo no Brasil com o título horroroso de Nick, um tira em apuros) e estrelado pelo ex-pop star Rick Springfield. O telefilme tinha a intenção de ser o piloto de uma série para a rede CBS, que seria protagonizada pelo próprio Springfield, mas que não decolou. Quando a canadense Paragon Entertainment tirou o programa da gaveta em 1991, o local da trama foi transferido para Toronto e o papel de Knight foi assumido por Geraint Wyn Davies, um ator com pinta de galã e formação clássica, já conhecido nas telinhas norte-americanas.

Maldição Eterna gira em torno de três personagens: o próprio Knight; Lucien Lacroix (o ótimo Nigel Bennett) - o vampiro maligno que induziu Nick ao vampirismo e o iniciou na Paris medieval; e Janette (Deborah Duchene), uma ex-amante de Nick de muitos séculos que dirige um nightclub chamado Raven, inspirado no Fome de Viver (The Hunger, 1983), de Tony Scott. Diga-se de passagem, outra importante fonte para a onda revisionista, junto aos romances de Anne Rice. Além do trio principal, temos como coadjuvantes o esculachado parceiro de Knight, Schanke (John Kapelos), um reclamão responsável pelos momentos engraçados da série e que desconhece a verdadeira natureza do amigo; e Natalie Lambert (Catherine Disher), a patologista do necrotério que se apaixona pelo pelo protagonista e busca uma cura.

Os dois primeiros episódios, O Senhor das Sombras (parte 1 e 2), são uma refilmagem bastante fiel do antigo piloto. Porém mais amadurecida, melhor trabalhada e com elenco muito superior, além dos flashbacks (baseados em Highlander) que continuariam por toda a série dando maior dimensão aos personagens, construindo aos poucos a sua história passada. Com o passar do tempo, Maldição Eterna se tornou uma jornada pelo lado mais sombrio da cidade, um mundo onde os vampiros existem e convivem, sem serem percebidos pelos criminosos e tiras. E onde os limites entre predador e presa se tornam tão indistintos quanto as fronteiras entre bem e mal. Como fica patente no emblemático nêmesis de Knight, Lacroix, que vestido de preto, cabelos platinados e olhos amarelos brilhantes, atormenta o herói em suas lembranças. Lacroix e Knight, na verdade, são os dois lados da mesma moeda. Quem poderia querer ganhar a imortalidade para simplesmente trabalhar como um tira? Ou iria abrir mão de noites eternas pela busca da absolvição? Lacroix, iniciado no vampirismo em Pompéia, às vésperas da erupção do Vesúvio, deixa clara a sua posição. Ele ama a escuridão, o sangue, a liberdade de abandonar completamente os retraimentos da moralidade convencional e o poder. Lacroix é um deus da escuridão, orgulhoso, vingativo e ao mesmo tempo paternal. Nick é seu filho pródigo, que se afastou e rejeita sua natureza em busca da mortalidade. "Lacroix atravessa a eternidade gostando do que faz, com naturalidade..." - disse Bennett em entrevista sobre o programa - "... e este é seu maior problema e ponto de conflito com Nick Knight. Ele não consegue compreender por que Knight, a quem iniciara na Idade Média, tem tantos problemas com o fato de ser um vampiro". Isso os leva a conflitos e confrontos constantes nas mais diversas épocas, mostrados nos flashbacks.

A série foi feliz ao adequar os elementos de caráter fantástico - sobrenatural aos paradigmas do seriado policial. Na verdade, não fossem esses elementos, seria apenas mais uma série de mocinho e bandido. O fato desse mocinho ser um vampiro cheio de conflitos interiores e que tenta viver e trabalhar como um mortal - o que inevitavelmente resulta em situações bastante originais e leva ao trágico final (Last Knight, 1996) - é que tornou o programa especial.

Maldição Eterna durou três temporadas, sendo as duas primeiras exibidas no Brasil (Record e Sony). Foi lançada na íntegra em DVD nos Estados Unidos.


Confira o trailler abaixo:


http://www.youtube.com/watch?v=yPhIEG3JYtg&feature=fvw

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Skinner (1993) - Traci Lords em thriller trash


Não faz muito tempo postei um curto artigo sobre uma das mais bonitas e lendárias atrizes que vicejaram nos anos 1980: Traci Lords. Não vou, portanto, me deter novamente em detalhes de sua turbulenta carreira, ou da notoriedade que lhe foi conferida pela bombástica saída da indústria do vídeo pornô. Ou mesmo na sua entrada pela porta dos fundos do cinema convencional no qual se estabeleceu e está em atividade até hoje. Convencional, diga-se de passagem, não quer dizer necessariamente mainstream. No caso de Traci, significa que ela utiliza outros atributos (além de sua beleza, é claro) que não os genitais dos primeiros anos de carreira. Sobre isso vale uma nota: entre 1984, quando debutou em Night of Loving Dangerously até Traci I Love You (1987), quando largou a sacanagem, ela participou de 72 filmes de sexo explícito. Quase o mesmo número de produções em que atuou (73, somando séries de televisão e longametragens) de 1988 a 2009. O convencional de Traci acabou sendo na linha de filmes B ou mesmo no âmbito dos trash movies , com participação em obras de figuras como Roger Corman (que produziu O Vampiro das Estrelas com direção de Jim Wynorski), John Waters e mais recentemente Kevin Smith. Nicho cinematográfico do qual não se libertou, certamente devido ao seu passado, mas que contribuiu para alçá-la ao status de atriz cult.

De sua filmografia irregular, destaco Skinner (1993), um título que poderia, numa análise apressada, concorrer a lugar privilegiado na seleta lista dos piores filmes de todos os tempos. Porém, como gosto de tirar leite de pedra, assistir Skinner de forma alguma foi completa perda de tempo e alguns pontos a favor fazem valer a indicação para uma olhada descompromissada.

Produção de baixíssimo orçamento dirigida por Ivan Nagy, tem na presença de Ted Raimi (irmão de Sam Raimi, diretor da trilogia Evil Dead (1981 – 1987 – 1992) e dos filmes do Homem Aranha) a sua força. Ele carrega o filme nas costas, interpretando o psicopata Dennis Skinner, que vaga pelos Estados Unidos deixando vítimas por onde passa. De aparência pacata e inofensiva, aluga um quarto na casa da jovem Kerry (a gordinha Ricki Lake, que já trabalhara com Traci Lords no Cry Baby /1990 de John Waters) e seu marido, o caminhoneiro Geoff. Durante sua estadia, o maluco comete vários crimes, sendo perseguido e confrontado pela sinistra Heidi (Lords), uma ex-vítima que tem o corpo coberto por horríveis cicatrizes e planeja vingar-se. Personagem relativamente bem delineado, Skinner incorpora os clichês do serial killer cinematográfico: problemas com a mãe, surtos de insanidade intercalados com momentos de bom mocismo, desvios sexuais, etc. Clichês que ganham credibilidade na composição de Raimi, que incorpora um indivíduo que luta para manter o controle, uma panela de pressão pronta para explodir. Vitimando geralmente as prostitutas que atrai, as mortes são mostradas em rápidos flashes, com exceção de uma, sem dúvida o ponto alto do filme (e que deveria figurar em qualquer antologia de cinema slasher), quando todos os detalhes são explicitados de modo a embrulhar os estômagos mais fracos. O assassino está ao lado do cadáver ensangüentado de uma mulher nua. Ele esfola as costas do corpo, levantando com o facão as beiradas da pele, que se solta. Em seguida, puxando, arranca como uma roupa a pele da falecida, que veste como uma macabra fantasia. Referência explícita a um dos assassinos em série mais queridos do cinema (Ed Gein, 1906 - 1984), que já inspirou Alfred Hitchcock (Psicose, 1960), Tobe Hooper (O Massacre da Serra Elétrica, 1974) e Jonathan Demme (O Silêncio dos Inocentes, 1991).

Traci Lords, ainda em início de carreira, faz feio com caras e bocas, se esforçando sem muito resultado. Em parte culpa do roteiro esburacado, que não ajuda na composição de Heidi, da qual pouco se sabe. Sua relação anterior com o assassino e seu desejo de vingança são pouco explorados, ficando vagas as suas motivações. Além disso, passa todo o filme com um chapéu cobrindo metade da cabeça e do rosto, e um sobretudo preto, parecendo a versão feminina do Sombra, aquele justiceiro das histórias em quadrinhos. Sobretudo que tira em breves momentos mostrando seu corpo escultural vestindo calcinha e sutiã pretos.

Ricki Lake também não faz feio, sendo instigante e pouco explorada a relação de sua Kerry, uma esposa negligenciada, com o problemático inquilino.

Talvez o mais complicado em Skinner sejam os furos da narrativa e alguns momentos que não são mostrados e poderiam render boas seqüências (contenções orçamentárias?). Por exemplo, a morte de Earl, colega de trabalho que inferniza Dennis Skinner, provavelmente o melhor exemplo de como não se deve efetuar um corte, resultando numa elipse mal feita. Em determinada cena vemos o brutamontes ameaçando o personagem principal, que tinha feito uma piada sobre seu corte de cabelo. Logo em seguida, o psicopata sai de um galpão já vestindo a pele do malfadado Earl. Até pensei que fosse alguma barbeiragem da Band, que reduzia sem a menor cerimônia ou tato os filmes que passavam no extinto Cine Trash, de onde gravei essa pérola, para encaixar na programação vespertina e provavelmente adequar à faixa etária desse período do dia. Consegui comparar depois com a versão integral, que apesar de mais completa, ainda deixava muito a desejar. Quem sabe alguma coisa tenha ficado pelo chão da sala de montagem de Ivan Nagy, o inepto diretor?

terça-feira, 13 de julho de 2010

Notas sobre o Nazi Exploitation - Parte 2.


O segundo momento para o nazi-exploitation se deu na Itália, país onde se desenvolvia, desde a segunda metade da década de 50, uma grande produção de filmes de horror e exploitation. Podemos considerar a versão italiana ainda mais cruel do que seus predecessores norte-americanos. A pedra fundamental para essa versão do nazi-exploitation foram três filmes, os dois primeiros produzidos com objetivos bastante opostos ao negócio dos filmes de exploração. Um deles foi a produção dirigida por Liliana Cavani, O Porteiro da Noite (ll Portieri di notte, 1974), relatando os jogos de dominação-submissão entre a sobrevivente de um campo de concentração e seu antigo algoz, um ex-oficial nazista (agora porteiro noturno de um hotel vienense), alguns anos após o fim da guerra. Outro foi o polêmico SalóOs 120 Dias de Sodoma (Salò o le 120 Gionarte di Sodoma, 1975), de Pasolini, na verdade um libelo anti-fascista que, de forma crua e chocante, transpõe para o cenário da decadente Itália de Mussolini o universo do Marquês de Sade. Saló relata as degradações sofridas por um grupo misto de jovens nas mãos de representantes dos poderes estabelecidos em um castelo. Lá são confinados e submetidos a toda sorte de humilhações e torturas físicas, sendo estuprados, cortados, queimados, obrigados a ingerir excrementos e mortos.

O terceiro é Salon Kitty (1976), de Tinto Brass, co-produção italiana, alemã e francesa, que buscou inspiração nos míticos bordéis destinados aos oficiais e soldados da Alemanha nazista, palco para tramas conspiratórias e perversões sexuais. Filme que já se aproxima do conceito de nazi-exploitation e figurar entre os demais produzidos no período, relacionados rapidamente a seguir:

SS Experiment Camp (1976), de Sergio Garrone, apresenta todos os clichês desse tipo de filme (a carcereira lésbica, os guardas sádicos, os trabalhos forçados), além de uma inusitada tentativa do transplante dos testículos removidos de um prisioneiro para o comandante do campo. As Condenadas (L’Última Orgia Del lll Reich, também conhecido com Calígula Reincarnated as Hitler ou Gestapo’s Last Orgy, 1976), de Cesare Canevari, descreve as humilhações por que passam as prisioneiras judias com requintes de sadomasoquismo, em cenas inspiradas por O Porteiro da Noite. Em Le Deportate della Sezione Speciale SS (1976), de Rino Di Silvestro, repetem-se as seqüências de lesbianismo e estupros. A mais evidente apropriação de Saló pode ser vista em Le Lunghe notti della Gestapo (1977), de Fabio De Agostini, em que doze personalidades do reich são entretidos por doze garotas treinadas para satisfazê-los sexualmente, terminando em violenta orgia. As Garotas da SS (Casa Privata per le SS, 1977), de Bruno Mattei, é uma cópia de Salon Kitty; e La Svastica nel Ventre (1977) de Mario Caiano, um dos menos inspirados, novamente tratando de jovens judias sendo prostituídas pelos nazistas. La Bestia in Calore, do mesmo ano, dirigido por Luigi Batzella, representa bem a característica híbrida dos filmes de exploração italianos, misturando w.i.p. (women in prison – vertente do exploitation) com filme de monstro, ao contar as atrocidades cometidas pela dirigente de um campo de concentração (no mesmo estilo de Ilsa, a Guardiã Perversa da SS) que faz das prisioneiras cobaias de suas experiências.

Certamente essa vertente não estava preocupada em evidenciar o quão baixo o ser humano poderia descer ao infligir sofrimentos aos seus semelhantes, mas pelo contrário, explorar as suas imagens. E se esses filmes não eram muito originais em termos de roteiro, promovendo um canibalismo mútuo constante, em alguns momentos eram bastante criativos ao explorar o triângulo nudez-sexo-violência. Todos buscando evidenciar a idéia do terceiro reich como um grande bordel, regido por devassos e sádicos. Para os diretores do cinema exploitation italiano, que passavam de gênero para gênero sem o menor pudor, de acordo com as tendências do mercado, os estigmas do nazismo, com evidente destaque para o holocausto nos campos de concentração e as tristemente famosas experiências médicas, eram temas mais do que adequados aos seus objetivos.