Não faz muito tempo postei um curto artigo sobre uma das mais bonitas e lendárias atrizes que vicejaram nos anos 1980: Traci Lords. Não vou, portanto, me deter novamente em detalhes de sua turbulenta carreira, ou da notoriedade que lhe foi conferida pela bombástica saída da indústria do vídeo pornô. Ou mesmo na sua entrada pela porta dos fundos do cinema convencional no qual se estabeleceu e está em atividade até hoje. Convencional, diga-se de passagem, não quer dizer necessariamente mainstream. No caso de Traci, significa que ela utiliza outros atributos (além de sua beleza, é claro) que não os genitais dos primeiros anos de carreira. Sobre isso vale uma nota: entre 1984, quando debutou em Night of Loving Dangerously até Traci I Love You (1987), quando largou a sacanagem, ela participou de 72 filmes de sexo explícito. Quase o mesmo número de produções em que atuou (73, somando séries de televisão e longametragens) de 1988 a 2009. O convencional de Traci acabou sendo na linha de filmes B ou mesmo no âmbito dos trash movies , com participação em obras de figuras como Roger Corman (que produziu O Vampiro das Estrelas com direção de Jim Wynorski), John Waters e mais recentemente Kevin Smith. Nicho cinematográfico do qual não se libertou, certamente devido ao seu passado, mas que contribuiu para alçá-la ao status de atriz cult.
De sua filmografia irregular, destaco Skinner (1993), um título que poderia, numa análise apressada, concorrer a lugar privilegiado na seleta lista dos piores filmes de todos os tempos. Porém, como gosto de tirar leite de pedra, assistir Skinner de forma alguma foi completa perda de tempo e alguns pontos a favor fazem valer a indicação para uma olhada descompromissada.
Produção de baixíssimo orçamento dirigida por Ivan Nagy, tem na presença de Ted Raimi (irmão de Sam Raimi, diretor da trilogia Evil Dead (1981 – 1987 – 1992) e dos filmes do Homem Aranha) a sua força. Ele carrega o filme nas costas, interpretando o psicopata Dennis Skinner, que vaga pelos Estados Unidos deixando vítimas por onde passa. De aparência pacata e inofensiva, aluga um quarto na casa da jovem Kerry (a gordinha Ricki Lake, que já trabalhara com Traci Lords no Cry Baby /1990 de John Waters) e seu marido, o caminhoneiro Geoff. Durante sua estadia, o maluco comete vários crimes, sendo perseguido e confrontado pela sinistra Heidi (Lords), uma ex-vítima que tem o corpo coberto por horríveis cicatrizes e planeja vingar-se. Personagem relativamente bem delineado, Skinner incorpora os clichês do serial killer cinematográfico: problemas com a mãe, surtos de insanidade intercalados com momentos de bom mocismo, desvios sexuais, etc. Clichês que ganham credibilidade na composição de Raimi, que incorpora um indivíduo que luta para manter o controle, uma panela de pressão pronta para explodir. Vitimando geralmente as prostitutas que atrai, as mortes são mostradas em rápidos flashes, com exceção de uma, sem dúvida o ponto alto do filme (e que deveria figurar em qualquer antologia de cinema slasher), quando todos os detalhes são explicitados de modo a embrulhar os estômagos mais fracos. O assassino está ao lado do cadáver ensangüentado de uma mulher nua. Ele esfola as costas do corpo, levantando com o facão as beiradas da pele, que se solta. Em seguida, puxando, arranca como uma roupa a pele da falecida, que veste como uma macabra fantasia. Referência explícita a um dos assassinos em série mais queridos do cinema (Ed Gein, 1906 - 1984), que já inspirou Alfred Hitchcock (Psicose, 1960), Tobe Hooper (O Massacre da Serra Elétrica, 1974) e Jonathan Demme (O Silêncio dos Inocentes, 1991).
Traci Lords, ainda em início de carreira, faz feio com caras e bocas, se esforçando sem muito resultado. Em parte culpa do roteiro esburacado, que não ajuda na composição de Heidi, da qual pouco se sabe. Sua relação anterior com o assassino e seu desejo de vingança são pouco explorados, ficando vagas as suas motivações. Além disso, passa todo o filme com um chapéu cobrindo metade da cabeça e do rosto, e um sobretudo preto, parecendo a versão feminina do Sombra, aquele justiceiro das histórias em quadrinhos. Sobretudo que tira em breves momentos mostrando seu corpo escultural vestindo calcinha e sutiã pretos.
Ricki Lake também não faz feio, sendo instigante e pouco explorada a relação de sua Kerry, uma esposa negligenciada, com o problemático inquilino.
Talvez o mais complicado em Skinner sejam os furos da narrativa e alguns momentos que não são mostrados e poderiam render boas seqüências (contenções orçamentárias?). Por exemplo, a morte de Earl, colega de trabalho que inferniza Dennis Skinner, provavelmente o melhor exemplo de como não se deve efetuar um corte, resultando numa elipse mal feita. Em determinada cena vemos o brutamontes ameaçando o personagem principal, que tinha feito uma piada sobre seu corte de cabelo. Logo em seguida, o psicopata sai de um galpão já vestindo a pele do malfadado Earl. Até pensei que fosse alguma barbeiragem da Band, que reduzia sem a menor cerimônia ou tato os filmes que passavam no extinto Cine Trash, de onde gravei essa pérola, para encaixar na programação vespertina e provavelmente adequar à faixa etária desse período do dia. Consegui comparar depois com a versão integral, que apesar de mais completa, ainda deixava muito a desejar. Quem sabe alguma coisa tenha ficado pelo chão da sala de montagem de Ivan Nagy, o inepto diretor?
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