Na
década de sessenta do século passado, após importantes mudanças na legislação
referentes ao racismo e a mobilização dos negros norte-americanos na segunda
metade dos anos 1950, as manifestações pelos direitos civis ganharam força. Resultando
na aprovação da lei que proibia qualquer forma de discriminação baseada em cor
ou raça. Mas apesar disso, as coisas esquentaram, com a radicalização do
movimento e violentos confrontos, culminado em crimes de morte - como os
assassinatos do líder radical Malcolm X e do pacifista Martin Luther King - e a
criação do grupo Panteras Negras. Nesse cenário, embalado pela música soul e
pelo que ficou conhecido como movimento Black
Power (de ampla abrangência artística, cultural e ideológica), surge uma
nova tendência cinematográfica denominada blaxploitation.
Fusão óbvia das palavras black e exploitation (como eram chamados os
filmes produzidos à margem do código de ética cinematográfico em vigor desde a
década de 1930, que exploravam temas não permitidos nas produções dos grandes
extúdios), o filão tem como início – ou pelo menos existe um consenso sobre
isso – o independente Sweet Sweetback’s Baadasssss Song (1971),
de Melvin Van Peebles. Produção que, segundo Todd Boyd “mesclou o modernismo
europeu e o avant garde com as demandas
urgentes do movimento negro que ecoavam sentimentos semelhantes aqueles
articulados nas ruas dos Estados Unidos dos anos 1970”[1]. Por
outro lado, no mesmo ano, a major MGM
lançou Shaft, dirigido por Gordon
Parks, com Richard Roundtree no papel título, deflagrando uma série de
produções que, a partir dos paradigmas estabelecidos pelo filme de Peebles, se imiscuíram
nos mais diversos gêneros cinematográficos, como comédia, horror, artes
marciais, etc. Os filmes blaxploitation
tiveram seu período áureo na primeira metade dos anos 70 angariando defensores
e detratores, dentre esses últimos as próprias instituições representativas do
movimento negro, que os acusavam de caça-níqueis que perpetuavam os
estereótipos estabelecidos pelos brancos acerca dos negros. Contudo, é inegável
a influência desses filmes em produções mais recentes, além de constatar, com o
afastamento de quatro décadas, as qualidades de muitos deles.
Black Power Jones (2013), produzido e
roteirizado por Geraldo Lima e Igor Simões Alonso (New Hope Produções), que
também dirigiu, bebe nessa fonte e vai além. Conta a história de um violento
bando criminoso, liderado pelo facínora Block (Geraldo Lima), que vive de
golpes e extorsão. Em uma tentativa de manipular a seu favor os resultados de
lutas de boxe clandestinas, entram em confronto com o boxeador Jones (Francisco
Soares), enquanto sobre eles fecha o cerco uma dupla de policiais (Silvana
Veloso e Igor Simões). O filme é rico em referências cinematográficas,
começando pelo título que remete a Jones,
o Faixa Preta (Black Belt Jones,
1974), blaxploitation de artes marciais
estrelado por Jim Kelly. Também a ambientação setentista, criada de forma
criteriosa através dos cenários, figurinos e objetos de cena são fundamentais
para a construção da atmosfera, valorizada pela iluminação e fotografia de
Geraldo Lima, elementos responsáveis por realçarem as cores e tornar
consistentes os ambientes onde se desenrola a trama. Vale destacar o trabalho
dos atores, alguns profissionais, mas a maioria deles amadores arregimentados
pelos produtores, em caracterizações marcantes como André Chechinel (o capanga
de Block, Capeta), Silvana Veloso (a delegada Rochelle) - lembrando a musa black Pam Grier -, entre outros. As interpretações, exageradas e em
certos momentos caricatas, acabam se revelando oportunas.
Aliadas aos diálogos
dão à narrativa um saboroso ar nonsense
que em muito lembra, por um lado, as histórias em quadrinhos do período, como
por outro, arremedam a estética camp.
Dando ao filme um eficiente ar de brasilidade brega (notadamente nas cenas do
bilhar) que o articula aos policias baratos rodados na Boca do Lixo nos anos
1970 por diretores como Francisco Cavalcanti e Toni Vieira. É essa mistura
estética, de blaxploitation com Boca
do Lixo, que dá Black Power Jones uma
inegável vitalidade. Produzido de forma independente, com pouquíssimos
recursos, é mais uma prova de que é possível criar obras audiovisuais no país
com qualidade, sem apelar para a salvaguarda do rótulo “trash”.
Maiores informações sobre o filme e o DVD:
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