Quase vinte anos depois revi Jovens Bruxas (The Craft, 1996) e continuo gostando do filme. Sendo assim pensei em escrever algumas linhas sobre ele, relembrando alguns aspectos interessantes e que foram melhor observados com o distanciamento.
Dirigido por Andrew Fleming, que não tem grandes coisas em seu currículo, o filme se enquadra primeiramente na leva de filmes adolescentes da década de 1990. E como tal, reproduz um dos paradigmas mais recorrentes de todos os sub-gêneros que compõem essa categoria: do jovem que não se enquadra nos padrões de seu grupo, sofre rejeição, e busca meios de ser aceito e/ou revidar as tribulações sofridas.
Jovens Bruxas se atrela, desse modo, a um dos mais populares desses sub-gêneros: o terror “adolescente” ou “jovem” (prefiro essa denominação). Linha de filmes que remete aos “delinquentes” anos 1950 de I was a teenage werewolf (1957) e A bolha assassina (The Blob, 1958), passa pelos 1960 e se estabelece nos decênios seguintes (1970-1980) com uma leva de filmes em que jovens envolvidos em seus conflitos pessoais ou coletivos eram as vítimas preferenciais. Foi assim com Sexta-Feira 13 (Friday, the 13h, 1980), A Hora dos Pesadelo (Nightmare on Elm Street, 1984), A Hora do Espanto (Fright Night, 1985), e muitos, muitos outros.
O terror jovem ganha novo fôlego nos anos 1990, especialmente em filmes como Buffy, a caça-vampiros (Buffy, the vampire slayer, 1992), Pânico (Scream, 1996), Eu sei o que vocês fizeram no verão passado (I know what you did last summer, 1997), Prova Final (The Faculty, 1998), Comportamento Suspeito (Disturbing Behavior, 1998), e A Mão Assassina (Idle Hands, 1999). No quadro geral, esta década foi bastante interessante para o cinema de horror, com uma renovação nas tendências anteriores do gênero e novas investidas, inclusive com novos personagens emblemáticos (Candyman, o Djinn de O Mestre dos Desejos, o Ghostface de Pânico) se juntando aos estabelecidos nas décadas anteriores.
O filme Jovens Bruxas, além de estar inserido neste contexto, apresenta outro aspecto interessante: está alinhado ao que convencionou-se chamar de Nova Era (New Age), movimento espiritual alternativo que ganhou força e foi assim denominado a partir dos anos 1980. Na verdade uma continuação das idéias esotéricas que remontam da contracultura dos anos 1960, alavancadas desde meados dos anos 1950 pelo renascimento da feitiçaria promovido por Gerald Gardner e sua propagação nos Estados Unidos na década de 1960 pelo casal Raymond e Rosemary Buckland. Também encontramos no filme ecos de um segmento feminista da tradição que passou a vigorar a partir do início dos 1970, chamado “diânico”. Vale ressaltar que o termo Wicca, ao que parece, foi cunhado ainda nos anos 1950 para denominar as práticas pagãs, passando a ser usado regularmente, não sem controvérsias entre os adeptos, na década seguinte.
A história acompanha a trajetória de Sarah Bailey (Robin Tunney), jovem problemática que carrega o fardo de ter perdido a mãe ao nascer, tendo inclusive tentado suicídio. Sarah se muda para Los Angeles com o pai e a madrasta, passando a estudar em uma escola católica, onde conhece três meninas desajustadas e marginalizadas praticantes de bruxaria, Bonnie (Neve Campbell), Rochelle (Rachel True) e Nancy (Fairuza Balk). Cada uma buscando nas artes mágicas uma forma de ter poder, mas também lidar com as suas mazelas e problemas de ajuste social e familiar: as horríveis marcas de queimaduras de Bonnie, as humilhações racistas a que se submete Rochelle e o padrasto abusivo e mãe alcoólatra de Nancy. O trio, que venera um “deus todo-poderoso” chamado Manon, percebe que Sarah tem um dom natural para a magia, e que seria uma aquisição de peso para o grupo, que carecia de uma quarta pessoa para oficializarem seus rituais. Após uma cerimônia realizada na praia, o poder desencadeado de Manon concretiza os desejos das jovens, mas também causa o desequilíbrio entre elas, colocando Bonnie, Rochelle e Nancy, que abusam do poder que lhes foi conferido sem ligar para as consequências, contra a arrependida Sarah. O que vai culminar no embate de bruxas que vai coroar o filme.
O filme apresenta como ponto principal o conflito das garotas que, por serem consideradas “diferentes” não são aceitas em seu meio (o colégio), a busca e conquista de poder através da bruxaria e as consequências desse despertar mágico, rito de passagem pelo qual nenhuma passou ilesa. Se inicialmente brincam com as possibilidades dos poderes adquiridos, esses vão as corrompendo progressivamente, na medida em que começam a usá-los para o mal, colocando umas contra as outras. Especialmente Sarah, arrependida e temerosa, que confronta Nancy, a líder do grupo e a que passa a usar a magia em seu benefício, mesmo que signifique ferir e matar pessoas.
As cenas de cerimônias são bastante convincentes (notadamente a da praia), ainda que, conforme Pat Devin, sacerdotisa contratada como consultora, não seguem nenhum rito estabelecido. Essas sequências foram criadas de forma genérica para não melindrar os reais praticantes e também impedir jovens impetuosos, influenciados pelo filme, de repeti-las. Motivos que também levaram à invenção do nome da deidade “Manon”. De acordo com Devin, seria para evitar que alguém invocasse uma entidade real. Curiosamente, existe um demônio chamado “Mammon” ou “Mamon”, que segundo rápida e nada aprofundada pesquisa, foi assim denominado na escolástica medieval e nos escritos de Agrippa de Nettesheim como personificação de palavra originária do aramaico como personificação da riqueza e de lucros injustos. Seria o demônio da avarice, riquezas e iniquidades.
Jovens Bruxas ajudou a popularizar a Wicca entre os jovens a partir de meados da década de 1990 (movimento teen wicca), transformando a prática mágica em fenômeno pop, atrelado ao mercado consumidor e por sua vez influenciando tendências de comportamento e a mídia. Séries de televisão como Sabrina, a aprendiz de feiticeira (Sabrina, the teenage witch, 1996 - 2003), Buffy, a caça-vampiros (Buffy, the vampire slayer, 1997 - 2003) e principalmente Charmed (1998 - 2006), abordaram de formas diferentes esse universo, assim como diversas publicações foram editadas tendo como alvo o público jovem. É o caso dos livros de Silver Ravenwolf, autora de Teen witch: Wicca for a new generation (1998) e do Kit de magia para jovens: tudo o que você precisa para fazer magia (Editora Pensamento).
Mas se em Jovens Bruxas havia uma preocupação com uma abordagem mais próxima do universo da bruxaria e o horror servir de pano de fundo para os dilemas da adolescência, o mesmo não se pode dizer de A Maldição das Bruxas (Little Witches), dirigido por uma insignificante Jane Simpson e realizado com baixo orçamento no mesmo ano (em apenas duas semanas). Ao que tudo indica buscando capitalizar em cima do sucesso do filme de Andrew Fleming, sendo lançado um mês depois.
A trama apresenta elementos comuns ao de Jovens Bruxas: um grupo de estudantes desajustadas de uma escola católica ficam internadas durante o recesso da Páscoa, entre elas Faith (Mimi Reichmeister) - órfã de pai, deixada sozinha no feriado pela mãe omissa - e Jamie (Sheeri Rappaport) , vítima de pai abusivo e de comportamento revoltado e promíscuo. Elas e outras meninas descobrem um antigo livro de feitiços nas ruínas de um templo satânico encontrado em escavações no subterrâneo da escola, e acabam conjurando um demônio. Jamie e Faith acabam em lados opostos, com a primeira assumindo o comando do grupo com a intenção de trazer o demônio de volta para conquistar poder, e Faith tentando impedir que isso aconteça.
Em um primeiro momento a trama parece promissora e até interessante pela inserção de elementos mais comuns aos filmes de horror: o local maldito - o templo subterrâneo -; a maldição ancestral - a cerimônia de magia negra sendo interrompida por frades encapuzados, com jovens desnudas sendo impedidas de consumar um sacrifício humano e invocar as forças do mal - ; o objeto de poder - velho grimório, livro de feitiços escrito em latim; o monstro - o demônio encerrado nas profundezas aguardando despertar -; etc. Porém, o enredo se perde no roteiro mal amarrado, na falta de pontos de virada e um clímax satisfatório e na conclusão fraca e precipitada. Os personagens também são mal desenvolvidos: a heroína Faith não convence em sua conversão para o bem, muito menos sendo uma aplicada conhecedora de latim, do mesmo modo como a vilã Jamie, de uma hora para a outra se torna prolixa nesse idioma e capaz de praticar feitiços avançados. Diferente das personagens Sarah e Nancy, de Jovens Bruxas, que se modificam gradualmente e de forma coerente com o andamento e as prospecções do filme. Também a figura da Madre Guardiã, interpretada pela simpática baixinha Zelda Rubinstein (a médium de Poltergeist, o Fenômeno, 1982), não diz muito porque que foi inserida. Por outro lado, Maldição as Bruxas foge do pudor das produções de terror mainstream dos anos 1990, com maior apelo sexual nos diálogos e nas cenas de nudez das atrizes, especialmente da linda Sheeri Rappaport em dois momentos: quando se excita ao relatar suas aventuras amorosas para o padre no confessionário da escola, e no striptease improvisado na janela do alojamento. O que não enaltece o filme, pois as belas formas da atriz servem para uma visão conservadora da sexualidade, reforçando o caráter conservador do filme ao apresentar esses elementos vinculados ao mal a ser derrotado pela heroína virtuosa e virgem.
Se Jovens Bruxas tenta apresentar uma visão menos preconceituosa da religião neo-pagã, sendo mesmo assim criticado por parte dos praticantes, Maldição das Bruxas reforça os estereótipos que cercam as práticas mágicas como maléficas e enaltece a moral conservadora cristã.
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