segunda-feira, 15 de novembro de 2010

O cinema satânico de Kenneth Anger - Pt. 2


Anger, como praticante de alto nível das ciências ocultas, buscava induzir no espectador um estado hipnótico, que o deixaria mais receptivo aos signos e símbolos ocultos. Podemos considerar Invocation of my Demon Brother a obra da qual ele mais se aproximou desse objetivo. Em sua natureza fragmentada encontramos o carro chefe da força da montagem de Anger em propiciar, como ele mesmo disse, um “ataque aos sentidos”. O que se deve, em parte, à rápida e confusa montagem de imagens desconcertantes, exibidas o mínimo suficiente para que delas se possa tirar algum significado; associadas a um repetitivo e inóspito som da trilha. O que confere um sentido de caos, a perda de um centro de referência e um peso que cai sobre o espectador, entorpecendo os seus sentidos e deixando-o propício à manifestação oculta. Aqui, uma conjuração mágica mais agressiva é posta em prática e à medida que o ritual se desenvolve, progride a abstração e a anamorfose. A imagem se deforma e se multiplica, em efeito caleidoscópio.
Seu filme seguinte pode ser considerado, ao contrário de
Invocation of my Demon Brother, seu trabalho mais acessível. Lucifer Rising (filme que passou por várias dificuldades e levou mais de uma década para ser finalizado) foi realizado com o intuito de operar como um encantamento, invocando sentimentos de ansiedade e trauma na audiência através de uma espécie de livre exercício em imagens oníricas envolvendo tabus. A montagem de símbolos herméticos se apresenta primeiro como em um sonho, em seguida ameaçadora; séculos de pensamento místico são destilados em uma série de fantasias voyeuristicas, um psicodrama perverso. Anger pretendia que Lucifer Rising permanecesse como uma forma de ritual que marcasse a morte das velhas religiões – como o judaísmo e o cristianismo – e a ascensão de uma era mais niilista - a Era de Hórus/Lúcifer. A velha ordem se consumindo e dando lugar à nova ordem que nascia.
Lucifer Rising é um retorno às antigas mitologias, uma celebração, e a invocação do poder da Magia para provocar a manifestação das forças naturais, cujas imagens predominam, em meio a ruínas milenares e a visão de deuses reanimados - Ísis e Osíris, respectivamente Myriam Gibril (linda) e Donald Cammel (diretor de O Maníaco do Olho Branco/White of the Eye/1987, entre outros). Lucifer Rising pode ser considerado o último filme realizado por Anger, que deixou em aberto planos para filmar outro dos rituais de Crowley, uma missa gnóstica. Curiosidades: a cantora Marianne Faithfull interpreta Lilith e Bobby Beausoleil, autor da poderosa trilha sonora e ex-membro da "família" Manson. Foi sentenciado a prisão perpétua pelo assassinato do músico Gary Hinman e desde 1969 vê o sol nascer quadrado.
Atualmente com 83 anos Kenneth Anger vem se dedicando a revisões de seus filmes, re-trabalhando detalhes, remontando, adicionando material extra, como novas trilhas sonoras. Suas produções ganharam com o tempo seguidores, tornando-se em alguns casos objetos de culto. O mais importante: suas técnicas bem apuradas e imagens poderosas vêm influenciando toda uma nova geração de cineastas do chamado cinema independente, como Nick Zedd, Richard Kern, Tommy Turner e Tessa Hughes Freeland.

Sobre Anger recomendo o livro Moonchild: the films of Kenneth Anger, editado por Jack Hunter (London: Creation Books, 2001), utilizado como base e fonte principal para o artigo original (referências e citações no texto original, editados para a postagem).

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