Aproveitando o lançamento pela Magnum Opus do DVD Enigmático: Cinema Experimental Volume 3, dedicado ao cineasta underground norte-americano Kenneth Anger, tirei da gaveta uma comunicação apresentada na Unicamp e na Socine anos atrás. Devidamente resumida e editada para esta postagem. O artigo completo se encontra nos anais do V Encontro de Pesquisas em Artes e Multimeios.
Mais do que qualquer outro cineasta de sua geração, Kenneth Anger é reconhecido pelo público como realizador de filmes underground e expoente do cinema experimental. Acredito que isso se deve, em parte, à sua personalidade controversa e ao fato de ser um assumido adepto das artes mágicas que encontrou no cinema o meio e o instrumental cerimonial adequado para seus conjuros e feitiços. Nascido na Califórnia em 1927, sua iniciação no cinema se deu ainda criança, quando atuou em uma versão de Sonho de uma Noite de Verão (1935), dirigida por Max Reinhardt e William Dieterle. Durante a juventude, manifestou interesse por ocultismo, tomando conhecimento do trabalho do ocultista inglês Aleister Crowley. Ele se declara abertamente discípulo de Crowley sendo inclusive afiliado à A.: A.: (Argenteum Astrum), ordem criada em 1907 por seu mentor. Fica claro que quando Anger começou a fazer seus filmes, ainda nos anos 40, ele já planejava com o seu trabalho enfeitiçar a audiência por meio de uma criativa síntese de todos os aspectos que envolvem o processo da produção – filmagem, iluminação, cenografia, figurinos, atuação, montagem, revelação e projeção. A sua intenção por trás de filmes como Inauguration of the Pleasure Dome (1954) era expandir a experiência cinemática a novos níveis de percepção, não atingidos durante a vida cotidiana. A natureza esotérica de seus filmes foi projetada para auxiliar a audiência a alcançar um estado alterado da mente. Inauguration of the Pleasure Dome têm sua origem em um baile de máscaras. Anger prestou atenção ao evento e viu que poderia moldar uma reunião semelhante na forma de uma assembléia de magos fantasiados de figuras da mitologia, no que se inspirava em um dos rituais dramáticos de Aleister Crowley, onde membros do culto assumiam a identidade de um deus ou de uma deusa O filme resultante apresenta dois pontos que merecem destaque. Primeiramente, o caráter bastante pessoal impresso por Anger na escolha das figuras mitológicas que comporiam seu panteão, como por exemplo a Grande Besta (Crowley) e sua Mulher Escarlate; Astarte e Pan; e o sonâmbulo Cesare, de O Gabinete do Dr. Caligari, de Robert Wiene (1922). Em segundo lugar, e talvez até mais importante, o fato de que com esse filme, o trabalho de Anger assume a forma de rituais religiosos. Inauguration of the Pleasure Dome mistura o sagrado e o profano, em uma decadente eucaristia. Ele não utiliza um ritual específico, que seria entoado em palavras. Ao contrário, centraliza suas forças no esplendor visual e na trilha sonora. Ele quer que o espectador esteja preso ao uso progressivo da cor e de uma fantasia que se torna completamente subjetiva.
Em trabalhos posteriores, como Invocation of my Demon Brother (1969) e Lucifer Rising (1970-81) – ambos presentes no DVD da Magnum Opus -, Anger experimentou várias formas de montagem, projeção, sobreposição de imagens e outras formas de experimentações visuais em seu intento de concretizar de forma mais plena a magia esotérica do processo cinematográfico. Para ele, a exibição de seus filmes é um sério e potencialmente perigoso ritual alquímico; uma técnica e hipnótica forma de projeção astral.
Continua na próxima postagem, dia 13/11... Quem estiver em Juiz de Fora (MG) na próxima semana (de 9 a 11) , um programa imperdível é o Bordas Fora 2 - Cinema de Bordas em Juiz de Fora. Está programada uma mostra de filmes de realizadores independentes de várias localidades do Brasil, assim como debates e palestras. As sessões acontecerão no Museu de Arte Murilo Mendes (abertura, dia 9 às 20 hs.) e no Instituto de Artes e Design (IAD) da UFJF (dias 10 e 11, respectivamente às 19 hs. e 17 hs.).
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