terça-feira, 10 de novembro de 2009

A noite das taras do rei da pornochanchada.


David Cardoso não é só um cara esperto, mas corajoso também. Tanto que trocou uma promissora e segura carreira como galã de telenovelas pelas incertezas de abrir uma produtora para atuar na instável cena cinematográfica brasileira e se tornar “o rei da pornochanchada”. O resultado foi a DaCar, certamente a mais rentável companhia que enveredou na linha de filmes eróticos com Caçada Sangrenta (1976) e atravessou a melhor fase da Boca do Lixo, até meados da década de 1980 quando se rendeu aos filmes de sexo explícito. Cercado de talentosos colaboradores, esmero técnico e principalmente mulheres bonitas, Cardoso não só conseguiu invejosas cifras nas bilheterias, como também foi responsável por algumas obras bastante singulares, não só pela ousadia, mas pelos temas abordados. Dessa filmografia, destacam-se os filmes divididos em dois ou três episódios. Ainda que irregulares, unem o tino comercial de oferecer ao público na mesma sessão mais de uma história, a exemplo das famosas sessões duplas, com a interessante premissa de multiplicar o número de produções, investindo em filmes de menor duração e por sua vez com um ritmo narrativo mais ágil. O que propiciava agilidade em ter novos títulos no circuito, rendimentos mais rápidos e um mercado de trabalho maior para os atores e técnicos envolvidos. Como e se isso efetivamente se realizou, é outra história. Também são significativos exercícios de gêneros cinematográficos, o que era praticamente impensável no que era realizado pelas “castas superiores” de nosso cinema. Se essas produções da DaCar – como a pornochanchada em geral – perpetuam a grande contradição do exploitation, a visão conservadora de que o sexo leva à perdição, velada na exibição gratuita de nudez e sexo - evidentes chamarizes para um público ávido por sacanagem -, também celebram um cinema corajoso, de iniciativas e independência que não só merecem, como precisam tomar seu lugar na história do audiovisual brasileiro.

A Noite das Taras (1980) é a primeira produção dessa leva, como também a mais bem amarrada, o que é feito através dos personagens principais: três marinheiros de folga na noite paulistana, elos de ligação entre as histórias que formatam o longametragem. O filme começa com cenas no porto de Santos, quando os três marujos desembarcam, animados pelas perspectivas da licença, e rumam para São Pualo.

A narrativa inicial, A Carta de Érico, é dirigida por John Doo. Uma jovem (Patrícia Scalvi) busca coragem para se suicidar no luxuoso apartamento onde vive. Acaba no banheiro onde, nua, decide que o melhor meio seria cortando os pulsos com uma navalha. É interrompida pelo primeiro marinheiro (Arlindo Barreto), que chega com uma carta a ela endereçada por um misterioso personagem, Érico. Este insistira com o marinheiro em uma viela escura de Porto Alegre da importância da carta ser entregue em mãos, pois teria importante papel na vida da destinatária. Confusa por não conhecer nenhum Érico nem nunca ter ido à Porto Alegre, a jovem deixa o marinheiro sozinho e volta ao banheiro sem abrir a carta, com a intenção de completar o serviço. Guiado pelas lembranças de seu encontro com o sinistro Érico, o rapaz acaba impedindo o suicídio. Ele a tira da banheira, dá-lhe uns tapas e logo começam a se bItálicoeijar, entregando-se a uma longa seqüência de sexo. Por fim, de alma lavada resolve ler a carta que, para surpresa de ambos, estava vazia. Concluem assombrados que o estranho tinha na intenção de enviar o marinheiro para salvá-la. O episódio termina com o plano de uma sepultura, com o nome “Érico” gravado. A temática de fundo sobrenatural ou bizarro, ao que parece, era de gosto do roteirista Fraga, pois é recorrente em outras produções da DaCar, como o episódio O Gafanhoto, de Pornô (1981); ou mesmo o pasteleiro serial killer de Aqui, Tarados! (1980).

O segmento seguinte, Peixe Fora d’Água, dirigido por David Cardoso, é uma incursão no noir, sendo interessante ver como seus elementos são bem trabalhados por Fraga e adaptados para o universo da pornochanchada. Na verdade, trata-se de uma nova roupagem para a batida trama da mulher fatal que encontra um otário para servir de bode expiatório para seus planos criminosos. Trata do segundo marujo (Arthur Rovedeer), que perambula pela noite paulistana e desavisado, acaba numa boite homossexual. Não percebe estar sendo seguido por uma mulher (Matilde Mastrangi, fabulosa) e seus capangas. Dois destes puxam briga com o rapaz, que acaba apanhando e sendo jogado na rua. É socorrido pela mulher, que o leva para um hotel e seduz, dando início a uma seqüência de jogos sexuais. Enquanto isso, em outra sala, os três capangas aguardam, jogando cartas, já dando a entender que o marinheiro estava sendo vítima de uma trama em andamento. Após a calorosa seqüência de sexo – provavelmente a mais intensa cena de sexo anal simulado do cinema não explícito -, ela revela ao amante casual seu plano: precisa de ajuda para recuperar suas jóias na casa do ex-marido, tarefa pela qual seria bem recompensado. Simulariam um assalto e como ele não era da cidade e partiria no dia seguinte, não só seria difícil associá-lo a ela, como identificá-lo. Relutante, aceita, seguindo com a mulher e seus capangas para o local onde se efetivaria o crime. Lá chegando, os bandidos matam os empregados, enquanto ela e o marinheiro seguem para o quarto do dono da casa. Ao vê-los, o homem grita impropérios para a mulher, que atira contra ele. O marinheiro assusta-se ao ver o crime, pois acreditava que ninguém sairia ferido. Também não sabia que estava fadado a morrer, como se tivesse sido alvejado pela vítima agonizante, livrando a mulher de quaisquer suspeitas.

O terceiro e último episódio é dirigido pelo próprio roteirista Fraga. Em Júlio e o Paraíso, o mais velho dos marinheiros é abordado na rua por um grupo de moças hippies, que mendigam alguns trocados por estarem famintas. Com pena, leva o grupo para jantar em uma churrascaria, onde conta suas histórias e vivências. Acaba na casa das garotas, que resolvem “dar-lhe uma surra de boceta”, conforme uma delas diz. É o episódio com maior tempo de cenas de nudez e sexo, começando quando Júlio é chamado por uma das jovens para tomar banho, passando por uma seqüência de lesbianismo e terminando em uma maratona em que Júlio passa pela mão (e outras partes) de todas as moças. Na verdade, elas pretendem matá-lo de exaustão para ficar com seu dinheiro e saldar as dívidas de aluguel antes de serem postas na rua. Sendo assim, não largam de Júlio, se revezando sobre ele até o último suspiro. O filme termina com o corpo do marinheiro coberto por folhas de jornal, cercado de velas. Inspirado, Ody Fraga realiza uma poderosa analogia com narrativas da antiguidade clássica, com ecos das bacantes, ensandecidas adoradoras do deus Dionísio que se entregavam aos excessos do sexo e da violência. Na construção de um universo de simbolismos, Fraga se perde um pouco no falatório pseudo-filosófico do protagonista.


Mais informações sobre David Cardoso e a DaCar, na biografia elaborada por Alfredo Sternheim para a Coleção Aplauso “David Cardoso: Persistência e Paixão” (Imprensa oficial, 2004) e na “Autobiografia do Rei da Pornochanchada: David Cardoso” (Letra Livre Editora, 2006). Recomendo também meu texto sobre o Pasteleiro, capítulo do livro Cinema de Bordas 1 (Editora A Lápis, 2006).

sábado, 31 de outubro de 2009

A última loucura de Petter Baiestorf.



Em meados dos anos 1990, quando ainda publicava o B Zine, fanzine dedicado aos filmes de horror que xerocava mensalmente e divulgava pelo correio, tive conhecimento de um louco catarinense que fazia filmes de baixíssimo orçamento e muita coragem, com títulos estranhos e sugestivos como Criaturas Hediondas e O Monstro Legume do Espaço. Naquele tempo, devemos lembrar, com a popularização das câmeras de vídeo e a moda do trash, muitos jovens se dedicaram a realizar vídeos caseiros, tentativas que geralmente flertavam com o que se convencionou chamar de gêneros cinematográficos e transitavam entre a brincadeira e a devoção. Muitos ficaram para trás, suas vãs experimentações perdidas no tempo, seus nomes desconhecidos e os registros destruídos pelo mofo, inimigo número um das velhas fitas VHS.

O que não foi o caso de Petter Baiestorf, o genial lunático e obstinado cineasta que venho acompanhando desde então, sempre me surpreendendo com os rumos de uma produção inconformista e dinâmica – fatores que foram essenciais para a evolução de um trabalho difícil de ser categorizado. Não vou me deter na trajetória de Petter, na qual me detive durante a redação do capítulo "Eles comem sua carne: o cinema canibal-escatológico de Petter Baiestorf", que escrevi para o livro Cinema de Bordas 2 (Editora A Lápis, 2008 - disponível nas melhores livrarias virtuais).

Na verdade, o que motivou essa postagem foi o novo filme de Petter, Ninguém deve morrer, obra que ao mesmo tempo reafirma o caráter autoral da produção do realizador, mas também caracteriza, em termos técnicos, a nova fase (resultado da parceria com o talentoso Gurcius Gewdner) que já rendeu frutos como Arrombada e Vadias do Sexo Sangrento. Caráter que, se remetermos aos conceitos de cinema de autor, é pontuado por uma assinatura deixada através de elementos marcantes que permanecem inerentes a toda filmografia de Petter, mesmo esta se renovando,tomando rumos diversos e se superando continuamente. Principalmente devido a seu discurso, que reflete uma filosofia bastante singular e perfaz um autêntico cinema de guerrilha.

A narrativa básica de Ninguém deve morrer é a do western, ou se preferirmos, a de um faroeste caipira: uma trama rural (meio que o diretor freqüentemente esculhamba) de vingança e amores perdidos que explode em violência estilizada (mais contida que nos filmes anteriores). Narrativa que serve de pano de fundo para um ousado e inusitado musical.

A grande sacada é o modo como Petter se apropria da gramática do cinema – que conhece a fundo – e os recicla de acordo com os cânones de seu universo, utilizando elementos seminais da cultura popular, como a música brega e diálogos retirados de filmes que homenageia e utiliza para dublar algumas passagens. Metalingüístico, não esconde o dispositivo, culminando com a inserção de cenas fotográficas do tornado que devastou a região e resultou na interrupção das tomadas.

Obra que reflete a maturidade estilística do cineasta e nos atrai, com sua trilha sonora escolhida a dedo – sem dúvida um dos pontos fortes -, e algumas seqüências já antológicas. Dentre elas o diálogo inicial entre o personagem de Gurcius (o cowboy Ninguém) e sua amada, tendo ao fundo atores travestidos fazendo uma desajeitada coreografia; e a atriz Lane ABC carregando sobre a cabeça, cruzados, os braços amputados de Ninguém, personificação de uma guerreira pagã com seu estandarte contra as hostes do obscurantismo. Não posso deixar de citar a presença fortuita de atores emblemáticos do mundo baiestorfiano, como o gordão Jorge Timm, Coffin Souza e Ljana Carrion como um dos “caras malvados”.

Vida longa a Petter Baiestorf, principalmente num momento em que o estéril cinema brasileiro carece de ousadia, criatividade e inteligência.


segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Os Anos Dourados da Sacanagem (1986).


Na década de 1980, quando o pornô brasileiro perdia a briga injusta com os similares importados que chegavam aos cinemas vagabundos e prateleiras dos videoclubes, produtores e diretores sediados na boca do lixo buscavam, com muita criatividade e cara-de-pau, manter o público que minguava. Algumas vezes com inusitados e curiosos exemplares que merecem ser revistos por fazerem parte de significativa 9ainda que ignorada) parcela da cinematografia brasileira. É o caso da produção paulista Os Anos Dourados da Sacanagem, de Paulo Antonione (1986), que revi para a comunicação que apresentei no XIII Encontro da Socine, na ECA, em São Paulo. Surpreendente e bem cuidada (considerando-se o baixíssimo orçamento) adaptação das revistinhas eróticas - ou “catecismos” - desenhadas grosseiramente pelo lendário Carlos Zéfiro, é dividida em dois episódios, amarrados pelo avô que surpreende o neto assistindo um filme de sexo explícito no videocassete. O velho mostra ao rebento as famosas revistas, saudoso de um tempo em que a sacanagem apelava mais à imaginação. A primeira história, A Promissória, é clássica, já publicada inclusive em uma coletânea de trabalhos do falecido desenhista: a mulher que resolve saldar as dívidas do marido se entregando ao amigo credor. A razoável ambientação que remete à década de 1940 e a iluminação cuidada tentam conferir às cenas de sexo alguma elegância, o que não se concretiza pelo amadorismo dos atores e da pobreza da produção, resultando insosso no quesito sacanagem, que é o principal apelo do filme. O segundo segmento, por outro lado, é bem mais interessante, notadamente por sua mistura de sexo com religião, tão comum no sexploitation europeu. Intitulado Com o Diabo no Corpo, remete a um conto de Boccaccio, já adaptado por Pier Paolo Pasolini em seu Decameron. Sandra Morelli (famosa na época por suas cenas de sexo com cavalos) é a moça desorientada que vai à Igreja – a trama se passa no interior – se confessar, acreditando estar possuída pelo Diabo. Ela conta ao padre (que quer saber de todos os detalhes) ter sido forçada ao sexo pelo namorado e através da cópula, permitido a entrada do Diabo em seu corpo. O padre, lúbrico, se propõe a fazer um exorcismo um tanto quanto peculiar, já que nas suas palavras, o único meio de tirar o diabo do corpo da jovem seria “pelo mesmo buraco por onde ele entrou”. O filme parte para a blasfêmia explícita, com o padre de estola roxa, recitando suas orações, enquanto faz sexo com a “endemoniada”. O problema é que a garota estava realmente possuída, e o demônio se revela, com todos os lugares-comuns do gênero desde O Exorcista: fala com voz grossa, dá gargalhadas pavorosas, tem a fisionomia modificada – com ênfase nos olhos vermelhos - e fala impropérios, inclusive paródias pornográficas das orações tradicionais da Igreja. Ele vira o jogo e dá um banho de sexo que quase acaba com o pobre padre, em seqüência de tirar o fôlego protagonizada por uma atriz que definitivamente sabia o que fazia. Um dos mais impagáveis (e inacreditáveis) momentos de uma linha de produção que buscava nessas bizarrias alento para continuar no mercado e infelizmente, não vingou.

domingo, 4 de outubro de 2009

A Casa da Noite Eterna (1973).


Em 1971, o consagrado escritor Richard Matheson escreveu uma das melhores histórias sobre casas mal assombradas já publicadas: Hell House (que finalmente, após quase quarenta anos ganha edição brasileira – Hell House – A Casa Infernal, Ed. Novo Século, 2009). Obra que pode ser colocada ao lado das também atmosféricas e assustadoras A Volta do Parafuso, de Henry James e A Maldição da Casa da Colina, de Shirley Jackson. Não por coincidência, os três livros ganharam adaptações cinematográficas que, se não estão à altura do material impresso, também não fazem feio, podendo ser consideradas produções clássicas do horror. Tanto o livro de James quanto o de Jackson ganharam mais de uma versão para as telas, sendo as mais memoráveis, respectivamente, Os Inocentes (The Innocents, 1961), de Jack Clayton e Desafio do Além (The Haunting, 1963), de Robert Wise (esqueça o vergonhoso filme de Jan de Bont cometido em 1999). Hell House foi adaptado pouco depois de sua publicação, em 1973, com o título The Legend of Hell House (aqui no Brasil A Casa da Noite Eterna).
A leitura do original de Matheson era um desejo acalentado há bastante tempo, tanto que adquiri em um sebo virtual uma desgastada edição em espanhol, abandonada definitivamente pelo surpreendente lançamento da Novo Século., já devidamente devorado. O que me levou a recorrer á minha coleção de VHS e rever A Casa da Noite Eterna, dirigida por John Hough. O filme, ainda que competente – com roteiro do autor do livro – e bom elenco, sinto observar, envelheceu. E acaba servindo como um resumo bastante atenuado da narrativa original, sobre um milionário moribundo que contrata um parapsicólogo, o Dr. Barrett, para desvendar se existe ou não vida após a morte. E o local escolhido seria a mansão Belasco, conhecida como a casa infernal e o “Monte Everest” das casas assombradas. Ele teria o prazo de uma semana, acompanhado de sua mulher Edith e dos médiuns Florence Tanner e Benjamin Franklin – este o único sobrevivente de uma tentativa anterior de desvendar os mistérios da mal afamada propriedade. Nos poucos dias em que ficam confinados, são confrontados por forças sobrenaturais, deflagradas pelo maléfico espírito do antigo proprietário, um sádico violento, e por seus próprios tormentos. Estes últimos bastante atenuados no filme. Certamente porque em 1973 (e possivelmente ainda hoje, em se tratando de produções dos grandes estúdios)não seria viável reproduzir a forte carga sexual do romance de Matheson. O que é uma pena, já que Pamela Franklin está deliciosa como a médium Tanner (ela aparece rapidamente nua, de perfil) e Gayle Hunnicut incorpora bem a frustrada mulher do parapsicólogo. Dois personagens que tem sua complexidade psicológica reduzida. Clive Revill interpreta com dignidade o cientista, do qual também foi retirada a significativa deficiência física (no livro ele mancava como seqüela da poliomielite); e o emblemático Roddy McDowall empresta sua simpática canastrice ao contido Ben Franklin.
A Casa da Noite Eterna, apesar de datado, merece ser evisto. Ainda dá para sentir uma certa apreensão – sem recorrer para os sustos gratuitos ou efeitos cgi das produções atuais -, permitindo um rápido olhar de vez em quando pelo canto do olho para as sombras do quarto escuro. O inevitável apelo das histórias de fantasmas, que refletem nossa expectativa sobre o que vem depois. Mas aconselho a leitura do livro primeiro.
Aproveito para avisar que na próxima semana não farei postagens, pois estarei no congresso da Socine em São Paulo. Informações no link abaixo:

domingo, 27 de setembro de 2009

Viva El Santo!!!!


Durante a primeira metade dos anos 1950 começam a despontar filmes e seriados estrelados pelos lutadores da lucha libre, popular modalidade esportiva-circense que encontrou no México terreno fértil. A partir de 1958 essa produção, que tem como representante maior O Santo, passou a incorporar em suas tramas temas oriundos da ficção-científica e do horror. O Santo (ou Rodolfo Guzmán Huerta) nasceu em 1917, começou sua carreira nos ringues nos anos 1940 e em meados da década seguinte consagrou-se o lutador mais popular do México. Santo contra Hombres Infernales e Santo contra Cerebro del Mal, ambos de 1958 e rodados em Cuba, marcam seu início nas telas, ainda que não apresentem seqüências de lutas. Somente em 1961, em Santo contra Los Zombies, vão aparecer todos os elementos constitutivos da fórmula: monstros clássicos do cinema (devidamente treinados em modalidades acrobáticas), horror, influência dos quadrinhos, melodrama, comédia, aventura, o registro de algumas lutas factuais e a inclusão de outras encenadas, relacionadas à trama. Mais importante: o protagonista é mostrado pela primeira vez tanto como lutador como combatente do crime. Ele possui um laboratório, é consultado pela polícia, e assim por diante, intercalando essas atividades investigativas com as lutas. A fórmula seria depurada e repetida a exaustão em toda uma produção que seguiria pelos anos 1960 e continuaria na década seguinte, consagrando o lutador mascarado como uma das maiores atrações de bilheteria latino-americanas do período e inspiração para produções imitadoras, dentre as quais as estreladas pelos colegas e posteriormente coadjuvantes Blue Demon e Mil Máscaras.
Pode-se dizer que Santo contra las Mujeres Vampiro, o maior sucesso comercial – inclusive mundial - da série e um dos melhores exemplares da fusão entre mascarados e monstros. O que se deve principalmente à habilidade em se criar situações que elevariam os paradigmas dessa linha de filmes a patamares nunca mais alcançados. O que pode ser conferido na passagem considerada uma das mais efetivas dessa linha: enquanto Santo se preparava para a luta, o oponente é assassinado, tomando seu lugar um dos capangas da rainha-vampira. Após encarniçada luta, em que o herói começa em desvantagem sendo quase posto fora de combate e desmascarado, ele finalmente vira o jogo. Ao imobilizar o adversário e retirar sua máscara revela, para horror da audiência, um horrível lobisomem. Confrontado pelo Santo e pela polícia, o homem-fera acaba voando para longe, transformado em morcego.
Os filmes de mascarados e monstros começaram a perder público ainda na primeira metade dos anos 1970, com algumas tentativas de adaptação para temas mais recentes, sendo Misterio em las Bermudas (1977) considerado o canto do cisne do gênero, que ainda renderia para o veterano Santo mais quatro produções até 1982, com La Furia de los Karatecas. O lutador morreria em fevereiro de 1984, poucos dias depois de finalmente descobrir seu rosto em um programa de tv. Foi enterrado com a máscara que o transformou em lenda, sendo essa a imagem que adorna a placa de sua cripta.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

The Swinging Barmaids (1975).



Na postagem da semana passada fiz referência ao filme The Swinging Barmaids, dirigido por Gus Trikonis (que depois seguiu carreira dirigindo telefilmes e episódios de séries de tv). Na verdade, a produção de 1975 seria o tópico da vez, adiado por conta do breve tributo a Katie Saylor.
Todos sabemos do apreço que o cinema norte-americano tem por assassinos em série, pirados e degenerados de todos os tipos. Afeição que vem de longa data, como podemos comprovar com o Norman Bates de Psicose (Psycho/1960), o Max Cady de Cape Fear (1962) ou mesmo a encarnação de Albert Salvo (o estrangulador de Boston) por Tony Curtis em O Homem que Odiava as Mulheres (The Boston Strangler/1968). Mas só ganhou status definitivo quando se estabeleceu no mainstream como uma vertente do thriller com o sucesso de O Silêncio dos Inocentes (The Silence of the Lambs), de Jonathan Demme (1991). Lembramos que o período que compreendeu final da década de 1960 e primeira metade da seguinte foi um dos mais violentos da história dos Estados Unidos. O público não via apenas seus filhos e maridos voltando para casa em caixões, mortos nas selvas vietnamitas. Mas testemunhava uma nova geração de assassinos que espreitava nas sombras esperando novas vítimas, como a família Manson, o franco-atirador Charles Whitman e o Zodíaco. O interessante é que desde o início dos sixties, a maior parte da produção de filmes sobre psicopatas derivava de pequenos estúdios, dentro do que se convencionou chamar de exploitation. Provavelmente por estarem mais à vontade do que as majors em mostrar cenas de sexo e violência (vale lembrar aqui o pioneiro Herschell Gordon Lewis com Banquete de Sádicos / Blood Feast, de 1963).
The Swinging Barmaids é um legítimo exemplar dessa leva. A trama de pouca duração gira em torno de quatro mulheres que serviam as mesas de um bar, circulando entre os fregueses em trajes sumários: Jenny (Laura Hippe), Susie (Katie Saylor – oba!), Renie Radich (Marie) e Boo Boo (a peituda Dyanne Thorne, que no mesmo ano ganharia notoriedade como a sádica nazista Ilsa, no clássico Ilsa, Guardiã Perversa da SS / Ilsa, She-Wolf of the SS). O inspirado Bruce Watson é Tom, o maníaco que fica obcecado com as moças e as persegue, matando uma a uma em seqüências violentas, surpreendentemente bem elaboradas e criativas para o tipo de produção. Isso sem contar que providencialmente as roupas das moças se rasgam durante os ataques, exibindo seus atributos mamários. Perseguido pelo tenente Harry (William Smith, figura fácil como coadjuvante na tv na época), raspa a barba e corta o cabelo, infiltrando-se no bar onde suas vítimas trabalhavam. Seu objetivo principal é Jenny, a “boa moça” que corteja, apesar dela ser comprometida com um jovem residente do hospital e não lhe dar a mínima. O filme termina com a polícia fechando o cerco e uma boa perseguição bem nos moles do que se fazia. Resumindo, para não me estender demais: uma boa pedida para quem não tem grandes pretensões – você pode até se surpreender -, belas mulheres seminuas e um ótimo sabor dos seventies.

sábado, 12 de setembro de 2009

Que fim levou a bela Katie?


Uma das boas coisas que me recordo dos anos 1970, e quem passou da infância para a adolescência naquele período com certeza irá concordar, é da beleza das mulheres que povoavam as séries de tv. Não que atualmente elas deixem a desejar. Mas naqueles anos pré-silicone, quando Pamela Anderson ainda não sacudia seus atributos no famoso maiô vermelho de S.O.S. Malibu (Baywatch) e a visão de corpos nus ainda era algo não tão disponível, aquelas mulheres faziam a cabeça. E que mulheres: Lynda Carter, a recém-falecida Farrah Fawcett e suas colegas Panteras, Joanna Cameron (lembram dela? A Poderosa Ísis???), e por aí vai. Dentre elas uma me cativou especialmente e, apesar de sua curtíssima carreira, ficou em primeiro lugar na minha libido adolescente: Katie Saylor. Não vou estranhar se você, caro leitor, não sabe de quem se trata. Mas aqueles de boa memória vão recordar da loura baixinha, num vestidinho curto preto e corpo escultural que aparecia sempre carregando um gato na série de ficção científica Viagem Fantástica (Fantastic Journey). Com apenas 10 episódios, essa produção da tv norte-americana de 1977 pode ser considerada precursora de programas como Sliders e o cultuado Lost. Tratava de uma expedição científica que, envolvida em estranha névoa verde quando navegava na área conhecida como Triângulo das Bermudas, acaba numa misteriosa ilha, local onde várias zonas temporais existem simultaneamente. O grupo era composto pelo viajante do século XXIII Varian (Jared Martin), o cientista Fred (Carl Franklin), o menino Scott (Ike Eisenmann), o vilanesco Willoway (o emblemático Roddy McDowall) e Katie Saylor como a psíquica atlante Liana. Todos buscando o portal que os levaria de volta para casa.
Antes de Viagem Fantástica, entretanto, Katie já mostrava seus atributos com mais ousadia, tendo no currículo – fora o telefilme Men of the Dragon (1974), piloto de uma série de tv que aproveitava a onda do kung fu e não vingou – algumas produções exploitation: Invasion of the Bee Girls (1973), Dirty O’Neil (1974), The Swinging Barmaids (1975) e Supervan (1977). Aliás, foi assitindo o incrível The Swinging Barmaids (assunto de uma postagem futura) e topando com a musa bem menos vestida do que lembrava, que tive a inspiração para esse post.
O grande mistério, e que suscitou a pergunta-título, é que Katie sumiu do mapa sem deixar rastros ainda com Viagem Fantástica em andamento. Seu personagem já não aparece nos dois últimos episódios e não há disponíveis mais dados biográficos ou informações sobre trabalhos posteriores. Mesmo seus companheiros de trabalho, Jared Martin e Ike Eisenmann, ao que parece, são evasivos sobre o assunto, reforçando a mística que passou a envolver a atriz qe sumiu do mapa sem deixar traços. Reza a lenda que Katie Saylor ficou seriamente doente durante a produção de Viagem Fantástica e que morreu pouco tempo depois. Mesmo assim, não existe nada concreto que explique seu desaparecimento ou material que comprove a trágica notícia. Fica assim eternizada sua imagem, congelada no tempo e na nossa memória até que alguém (ou ela própria, quem sabe?) lance uma luz definitiva sobre o assunto.