terça-feira, 28 de julho de 2009

Bruxaria no Cinema - Parte 2.


Os anos 50 trazem duas obras importantes, bem distintas uma da outra, abordando novamente Crowley. A primeira, realizada pelo diretor underground Kenneth Anger em 1954, The Inauguration of the Pleasure Dome, é uma recriação dos rituais do ocultista, à luz da cultura beatnik do período. Já prenunciava outras imersões do diretor na “magia thelêmica”, que se materializariam nos curtas The Invocation of My Demon Brother (1969) e Lucifer Rising, feito entre 1970 e 1980. Anger deu outra dimensão à bruxaria cinematográfica ao transpor para a película rituais mágicos, superando o suporte (película e tela) em concreta invocação.
O segundo filme do período, e de grande importância, por ser o que consideramos a conquista da maturidade dessa vertente do horror é A Noite do Demônio (Curse of the Demon, 1957), de Jacques Tourneur, baseado no romance Casting the Runes, de Montague R. James. Crowley serve de inspiração para o ocultista Dr. Julian Karswell, líder de um culto satânico que se torna alvo das investigações de um cético psicanalista, interpretado pelo ator Dana Andrews. Niall McGinnis dá grande dimensão ao personagem Karswell, revestindo-o de periculosidade e uma certa imaturidade para convocar as forças das trevas. Uma forma velada de corroborar a idéia de Crowley como “o pior homem de todos os tempos” e os relatos sensacionalistas que o pintavam como um satanista desregrado viciado em drogas. Na verdade Aleister Crowley nunca foi satanista, se formos fiéis à concepção da palavra. Ele desenvolveu um sistema próprio de ritualística e tinha concepções bastante originais sobre magia (a que se referia como magick), o que não o isenta de alguns excessos que certamente contribuíram para a imagem que lhe impuseram. A Noite do Demônio é sutil no que se refere às práticas mágicas de Karswell, o que não diminui o impacto de sua atmosfera mística. Isso apesar da gigantesca figura do Diabo que o produtor Hal E. Chester incluiu à revelia do diretor.
Os anos 60 foram particularmente propícios para a bruxaria nas telas. A American International Pictures (AIP), responsável pelo renascimento do horror gótico nas telas americanas com o ciclo de filmes inspirados no escritor Edgar Allan Poe. Roger Corman, usa a bruxaria como tempero para dois grandes filmes: O Castelo Assombrado (The Haunted Palace, 1963) e Orgia da Morte (The Masque of the Red Death, 1964). O primeiro, pouco tem de Poe, sendo mais uma adaptação da obra de outro autor, o também norte-americano Howard Phillip Lovecraft, intitulada The Case of Charles Dexter Ward. Vincent Price é Ward, que retorna à mansão de seus ancestrais para ser possuído pelo espírito do tataravô, o bruxo Joseph Curwen. Atmosférico, culmina com um ritual de magia negra, celebrado nas masmorras do castelo. Já Orgia da Morte é o retorno ao universo de Poe e um dos melhores do ciclo. Seria também bastante fiel ao conto original, não tivesse Corman incluído doses de satanismo. Vincent Price, memorável protagonista de todos os filmes da série, interpreta o Príncipe Próspero, um devotado adorador do Diabo. Auxiliado por uma adepta, Juliana (a diabolicamente adorável Hazel Court), tenta converter às artes negras uma jovem aldeã que aprisionara em seu castelo. As sugestivas cenas de adoração ao Demônio, impregnadas de contexto sexual, foram censuradas na Inglaterra.
A Hammer Films também não ficou de fora da onda satânica da época com um dos melhores filmes sobre o assunto: As Bodas de Satã (The Devil Rides Out, 1968), dirigido por Terence Fisher e baseado em história do autor especializado em romances ocultistas, Dennis Wheatley, inspirado em Aleister Crowley. Christopher Lee é um expert em demonologia que descobre uma conspiração satânica liderada por Mocata, o sumo sacerdote de uma sociedade secreta. O filme é bastante rico em referências, ainda que estas se perdem para os não familiarizados com ocultismo, já que estão relacionadas ao universo das várias vertentes do que se convencionou chamar de Tradição Mágica Ocidental. O grande destaque, além das encenações dos rituais, vai para a aparição do Demônio, caracterização bastante fiel à figura do “Bode de Mendes”, desenhada no século XIX pelo mago Eliphas Levi, uma adaptação do Baphomet dos templários.
É importante termos em mente que, na turbulenta virada que foi a transição dos anos 60 para 70, o oculto estava em alta. Reflexo da insatisfação com as estruturas vigentes e do ressurgimento, por um lado, das práticas pagãs com a Wicca - reabilitada a partir do trabalho de Gerald Gardner e levada para os Estados Unidos pelo casal Buckland - , e por outro, da ascensão do satanismo. Este último tendo como arauto o ex-artista de circo Anton La Vey, fundador da igreja de Satã em São Francisco.O Diabo vai perdendo o seu caráter alegórico original, transformando-se em um ícone da contracultura, da insatisfação contra os modelos sociais e liberação sexual. As bruxas, do mesmo modo, passavam a fazer seus sortilégios à luz do dia, deixando para trás o estereótipo da velha feia e enrugada, cheia de verrugas, tradicional das narrativas populares e contos-de-fadas.

Continua...

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