terça-feira, 10 de março de 2009

Casamento Alquímico (Chemical Wedding, 2008) - Aleister Crowley dá as caras em filme de horror inglês.


Em 1947 morria na cidade de Hastngs, Inglaterra, aquele que foi chamado pela imprensa britânica de “o homem mais perverso do mundo”: Edward Alexander Crowley. Conhecido como Aleister Crowley, foi o mais famoso mago contemporâneo, responsável por revolucionar a tradição mágica incorporando particularidades até então impensáveis. Ocultista, artista, charlatão, aventureiro e de brilhante inteligência, pode-se dizer que Crowley foi repudiado pelos seus semelhantes pela ousadia de transgredir as convenções – esotéricas ou não -, e de certa forma, acabou vítima dos próprios excessos, deixando como legado todo um sistema mágico complexo e desafiador.
Tal caráter contracultural não passou despercebido, sendo que após a morte, sua controversa personalidade não só deixou seguidores quanto serviu de base para obras de ficção, seja na literatura – ”O Mago”, de Somersert Maugham - , como na música (inspirando inúmeros roqueiros) e no cinema. O que pode ser conferido já em 1957 na produção A Noite do Demônio (Night of the Demon), de Jacques Tourneur, onde a caracterização do satanista Karswell (Niall MacGinnis) é nitidamente calcada no mago inglês. Também a essa influência podemos associar os diabólicos Mocata de The Devil Rides Out (1968), de Terence Fisher (Hammer) e Adrian Marcato, de O Bebê de Rosemary (Rosemary’s Baby / 1968).
Contudo, somente em 2008, sessenta e um anos após sua passagem ao oriente eterno, Aleister Crowley foi personagem de um filme de horror: Casamento Alquímico (Chemical Wedding) dirigido por Julian Doyle a partir de história escrita em parceria com o metaleiro Bruce Dickinson (ex-Iron Maiden) a partir de um de seus álbuns de mesmo nome.
A narrativa começa com os últimos momentos do mago (John Shrapnel, inspiradíssimo), em Hastings, quando é acometido de um colapso enquanto estava na companhia do aprendiz Symons (Paul McDowell) e do incrédulo Alex. Em seguida, desloca-se para a Inglaterra atual, onde conhecemos o proeminente físico norte-americano Dr. Joshua Mathers (Kal Weber), recém-chegado da Cal Tech para trabalhar num experimento sobre realidade virtual em Cambridge. No caso a interação de um traje especial (um tipo de roupa de astronauta) desenvolvido por ele com o supercomputador Z93, que teria como resultado a ligação perfeita entre a máquina e o cérebro humano. O problema é que o programador da máquina, o perturbado Dr. Victor Neuman (Jud Charlton), tinha segundas intenções. Seguidor da doutrina de Crowley, convertera seus ritos e cerimônias para linguagem de máquina e os armazenou dentro do Z93, usando como cobaia na experiência seu cúmplice, o desajeitado professor de literatura Oliver Haddo (Simon Callow). Algo, porém, não sai como esperado. Haddo entra em colapso dentro do traje, voltando transformado. O professor é possuído por Aleister Crowley e passa a escandalizar o corpo docente da universidade – em parte composto de maçons - com seus desvarios e blasfêmias.
Decidido a perpetuar sua obra, Haddo/Crowley pretende realizar um poderoso rito, a geração do demônio enoquiano Choronzon, personificação das forças infernais. Para tal intento se concretizar, seria necessária a união carnal com a bíblica prostituta da Babilônia no que seria o clímax da cerimônia satânica: o casamento alquímico. E recai sobre a jovem estudante Lia (Lucy Cudden), envolvida com o jornal da universidade e interesse romântico do Dr. Mathers, o interesse do bruxo. Ela será a sua “mulher escarlate” no rito supremo e caberá ao físico norte-americano utilizar a tecnologia moderna para salvá-la das garras da “mágicka” arcana de Crowley.
Casamento Alquímico, apesar do roteiro por vezes confuso ao tentar misturar física quântica com bruxaria, tem como grande mérito ser a primeira produção destinada ao grande público (lembrando que o cineasta underground Kenneth Anger já se debruçara sobre o tema com outras intenções) que faz tantas referências ao universo crowleyano. Referências que irão instigar muitos espectadores a conhecerem melhor a obra de Mr. Therion e são facilmente identificáveis pelos adeptos*. Ainda que estes certamente torçam o nariz para algumas liberdades, pela redução ao senso comum de alguns preceitos e a caracterização do personagem principal, enfatizando e exagerando os aspectos mais pérfidos. O que pode ser justificado pelo fato de Casamento Alquímico ser uma produção de horror com elementos sexploitation (algumas pitadas de sadomasoquismo e nudez), em muito lembrando a fase áurea do horror B inglês, especialmente os filmes da Hammer. Uma obra que celebra os excessos e é bastante divertida. Resta saber o que o retratado principal acharia.
"Amor é a lei, amor sob vontade!" (Aleister Crowley (1875-1947)

(*) Algumas dessas referências:
- O sobrenome Mathers, do físico norte-americano, evoca o líder da famosa ordem Golden Dawn, Samuel MacGregor Mathers, que acabou se tornando inimigo de Crowley.
- O personagem Victor Neuman pode ter sido baseado no acólito Victor Neuburg.
- A jovem graduanda Lia Robinson remete a Leah Hirsing, uma das “mulheres escarlates” do mago.
- Há claras referências ao cientista-bruxo Jack Parsons, da Cal Tech, responsável por significativas pesquisas aeroespaciais – foi um dos responsáveis pelo desenvolvimento do programa espacial norte-americano – e líder da organização de Crowley nos Estados Unidos, assim como seu então parceiro L.Ron Hubbard (o criador da cientologia).

Um comentário:

GeekZen disse...

Muito legal, gostei do seu blog e desse post. Completando eu acho que foi o nome Oliver Haddo foi inspirado no romance de W. Somerset Maugham, que se chama The Magician, que é praticamente inspirado no Crowley.